terça-feira, março 9

O Exército Das Formigas - Outras

Às 7 da manhã, de repente, aquele povo todo, que veste o melhor vestido de cortina, senta em lugar de idoso e já começou o dia há tanto tempo quanto eu, me pareceu um exército de formiguinhas.
Todos juntos, numa massa, seguindo o mesmo caminho, passando as mesmas roletas.
Às 7 da manhã não importa se alguns esperam uma promoção para ter algum prazer, se alguns apenas executam suas funções sem nenhum prazer, se são brancos, pretos, amarelos, se dormiram bem, se não, se tem namoradas ou não, se moram com os pais ou não, se esperam grandes coisas daquele dia ou se aquele dia vai ser apenas uma coisinha comum, besta.
Não importa.
O exército e eu seguimos todos os mesmo caminho.

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De vez em quando a gente intui certas coisas.
A última grande e forte que eu tive foi no reveillon do ano que a Olívia nasceu. No que os fogos estouraram, eu pensei: "Esse ano vai acontecer alguma muito importante".
15, 20 dias depois, a coisa muito importante estava providenciada e continua sendo grande e importante até hoje.
Esse ano eu não tive uma grande premonição com os fogos - a bem da verdade, quando eles estouraram eu já estava lá em Marrakech, enchendo o saco de geral porque estava aqueles pipocos muito mixurucas.

O negócio começou depois.

Um pouco antes do carnaval, começou a me dar um comichão de que eu precisava enfeitar mais a casa, consertar o que estivesse quebrado (depois disso, aliás, começou um surto de quebração de coisa aqui em casa que eu penso se não terá sido proposital por parte da casa), ajeitar o que eu queria e não fazia.
Um comichão que se estenderia até a minha redonda pessoa.
Por enquanto, nada fez muito efeito ainda. Nem em mim, nem na casa.
Eu sei que preciso ter paciência (uma qualidade que me falta), que nada desses planos vão acontecer da noite para o dia.
Eu só sei que preciso fazer.
Que faz parte de algo grande e importante.

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Ontem, no Joaquim:

"Eu tenho uma amiga de olhos escuros e pele suave, talvez a mais bonita de todas, que põe a vida amorosa na contramão da sua elegância intrínseca. Só namora os mais lamentáveis malandros. Sofre. A cada fim de caso diz que entendeu por onde falha seu GPS sentimental e jura não pegar mais os atalhos machos que ele lhe oferece - até que na semna seguinte, no próximo bar de sexta à noite, lá está ela sendo puxada pelos cabelos. Ri sem jeito, canta junto o samba que estiver tocando na Lapa e beija a boca do cafa. Ninguém tem nada com isso. No último aniversário, eu fiz o fino. Dei de presente "A educação sentimental", de Flaubert, e deixei que a literatura fizesse efeito. Até agora, nada. Acho que ainda não leu."

Rolou uma identificação.
Não com a parte da mais bonita.
Ou com o canta o samba.
Foi uma coisa mais sobre o modus operandi, sobre o vício...
Talvez eu deva ler esse livro.

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Porque algumas pessoas são completamente satisfeitas com a forma que se relacionam com as outras pessoas do mundo.
Eu não sou.
Não sou satisfeita com o modo como me relaciono com o meu próprio exército de cafas.
Não sou satisfeita com o modo como me relaciono com o resto das pessoas, num geral, amigos, conhecidos, estranhos...
Tudo entremeado por doses excessivas de uma ética bastante pessoal e difícil - eu reconheço - mágoas variadas, paixões excessivas, algumas alegrias exuberantes, uma certa violência até.
Talvez eu tenha enlouquecido, sim.

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De repente vem a certeza absoluta de que é necessário que eu sacrifique os prazeres mundanos por algum tempo.
Preciso ler, escrever, mudar, arrumar, ajeitar - executar um turbilhão de tarefas que demandam um bocado de tempo e dinheiro.
Não vai mais ser possível beber o quadro da sala.
Vai ser imprescindível o silêncio.

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Às 9 da manhã, o exército das formigas é ainda mais furioso, mais volumoso, mais espaçoso.
Uma massa coesa que se autoatropela pelas escadas e vãos.
Eu costumo ter vertigens quando a observo ultrapassando a linha amarela do metrô.
Tenho medo do dia em que alguma das formigas vai cair na linha e ser cruelmente massacrada.
Às 9 da manhã, no meio delas, entre elas, como parte delas, nada disso importa.
Só segue o fluxo.

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