terça-feira, setembro 30

Zôiuda ou Deus escreve certo...?

Grande parte da minha vida eu fui dona de bichinhos de estimação.
Uma grande variedade de espécies passou pela minha casa, pelo desleixo básico das crianças e várias torturas inofensivas das quais eu só fui me penitenciar depois que pude compreender que eram torturas.
Nos últimos 20 anos, porém, tivemos cachorros.
Os mais lindos, meigos e duradouros cachorrinhos que uma menina podia querer.
Durante 20 anos, eles me fizeram companhia em todos os momentos mais importantes e sempre estavam lá me fazendo afagos até quando eu não queria.
E então eu me mudei.
A princípio, meu plano era descansar.
Curtir o milagre milagroso de ter a MINHA casa e não arranjar qualquer espécie de trabalho extra.
Pouco antes de ir, arrumei um namorado. Pusta trabalho extra. Mas esse foi embora e, agora sim, estamos realmente sozinhas em casa.
Logo depois, arrumei plantas. A mais trabalhosa delas arrumou um bicho qualquer aí e anda me dando o dobro de trabalho. No momento, eu ando pensando seriamente em desistir de passar remédio nela também, que eu já estou de saco cheio.
Duas coisas que eu disse que não queria de jeito nenhum logo que mudasse.
A terceira era um bicho de estimação.
Logicamente, não existem condições físicas de termos um bicho dentro de casa. Passamos muito tempo fora, eu ando completamente falida, seria maldade, blábláblá... Mas o coração fica apertado de saudades de ter alguém balançando o rabo furiosamente à simples visão da minha pessoa. Aquela cama tão grande, bem que pedia uma coisinha felpuda deitada ali do meu lado para me acordar com lambidas de amor todas as manhãs.
Já tive conversas longas com o veterinário, que acabou me aconselhando a adotar uma tartaruga. Há pouco tempo, me apaixonei loucamente por um gato de 4 orelhas, mas, como eles não são muito comuns, a paixão morreu aí – além do mais, eu protelo a adoção de um gato porque eles são muito blasé demais pra mim, preciso de bichos que me adorem, no sentido literal da palavra.
E sempre disse por aí que lagartixas eram muito bonitinhas e que eu até teria uma, não fosse a parte da alimentação delas.
Eis que Deus deve ter ouvido meus devaneios e me mandou uma.
Lagartixas num primeiro andar são visitantes comuns, mas, desde sábado, eis que uma delas resolveu e entrar e não sair mais.
No primeiro dia eu achei que era por causa da chuva e nem dei bola pra ela.
No segundo, qual não foi meu espanto ao ver que ela ainda estava ali na mesma área. A amiga que a descobriu é fóbica de lagartixas e disse que ela era muito feia. Eu achei que era um exagero da loucura, mas me enganei. Nesse dia prestei bem atenção e descobri que ela é, realmente, muito feia. O rabo ela já perdeu em algum lugar por aí, na cabeça tem uma coisa bem parecida com um hematoma, os olhos delas são esbulhados a valer e eu ando desconfiada de que ela não come nada, porque é a primeira lagartixa anoréxica que eu já vi na vida. Mas ainda achei que ela ia sair dali logo. Até dei um toque de madrugada para ela arrumar algum outro lugar para morar “na boa”.
Ontem, lá estava ela de novo. E eu comecei a me incomodar.
É contra a minha natureza ser violenta com bichinhos bacanas – ainda que eles sejam feios – então, me encontrei num tremendo dilema moral. Se ela não fosse feia e não ficasse parada lá, toda magra e perto da minha privada, eu nem ia notar que ela estava no banheiro; mas eu entro no banheiro e não consigo tirar os olhos dela; talvez achando que ela vá reagir de alguma forma e vire uma encarnação de crocodilo ou coisa que o valha.
Então, eu tentei ser gentil e guiar a bichinha até a janela mais próxima com uma vassoura. Tomei o maior cuidado para ser delicada e não machucar a Zôiuda (esse é o nome que eu dei pra ela), mas ela não subiu; pelo contrário, caiu no chão e voltou pro mesmo lugar!
Olívia, que me pegou no flagra no meio da operação, ficou me convencendo que ela boazinha e não fazia mal pra ninguém, enquanto eu dizia que sabia disso, que eu só não queria ela morando dentro do meu banheiro.
No fim, tive que desistir da empreitada.
Quando voltei pra casa, Zôiuda permanecia no mesmo lugar. De ontem para hoje ela só variou de posição. Às vezes eu entro lá e ela está de cabeça pra cima, às vezes, de cabeça pra baixo; mas, daquele canto ela não sai.
E eu estou começando a achar que sim, eu tenho uma nova hóspede na minha casa.
Ela é feia, ela não tem rabo e o nome dela é Zôiuda.
Tudo porque não existem mais gatos com 4 orelhas ou porque Deus escolheu logo esse pedido para atender dentre todos os 789 que eu faço quase todos os dias.

segunda-feira, setembro 29

"It's been a non-stop party since I flew the coop"

Não tem jeito. A frase que vem é essa.
Nas últimas duas semanas eu não posso dizer que descansei.

Minha casa está de cabeça pra baixo, nos dois primeiros dias da semana fico me arrastando pelos lugares cansada demais até para pensar (e hoje com um resto de ressaca que não me larga!) e nos dois últimos dias já tenho planos para o final de semana propriamente dito.

Minha planta continua doente e eu estou quase desistindo de ficar pondo remédio todos os dias e caçando aqueles raios daqueles bichinhos brancos highlanders que resolveram morar nela. Estou decidida a plantar marias-sem-vergonha em todas as janelas. Elas, sim, dão flores e não me aporrinham. Mas não tenho coragem de jogar fora a pobre moribunda desfolhada.

Consegui, com a graça de Deus, terminar de ler um livro inteiro depois de semanas embananada. Tive um momento de revolta com a obrigação de ler a maioria dos livros que eu estou lendo (é um momento recorde na minha vida, são 4 ao mesmo tempo) e comecei a ler outro livro; policial, bem besta, nada filosófico.

Tive aventuras debaixo de chuva. Levei a filha para ver 5 marmanjos fantasiados dublando um desenho animado, que ela adorou e eu odiei dada a despesa desproporcional a qualquer luxo que eu tenha me dado nos últimos tempos por coisas tão ruins - já estou quase sem ódio porque ela realmente gostou do programa, mas fiquei bem assassina no dia.

Aliás, debaixo de chuva fiz um milhão de coisas, como todas as pessoas que moram na cidade, e não foi com dor que recebi o dia de sol de hoje. Não aguentava mais chuva por todos os lados, tênis e meias molhados, frio e o perigo eminente de pneumonia no ar. Pela primeira vez neste semestre deixei até de vir a aula - o que pode me custar caro, visto que os estudados não me são lá muito familiares e a prova é semana que vem, mas eu resolvi não pensar nisso, me dei esse luxo, relaxei e pedi duas cervejas do bar.

Ontem à tarde, enquanto tentava recuperar meu equilíbio e traçar uma linha reta para qualquer que fosse a direção, só me vinham à cabeça saraivadas de palavrões enfurecidos.


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Nesse meio tempo, começou o Festival do Rio.
Não que eu vá muito ao cinema físico, mas nessa época, eu me esforço.
Quando mais na vida terei oportunidade de assistir de livre e espontânea vontade a filmes russos, poloneses...?
Além do mais é muito chique circular por ali, encontrar pessoas que tentam pensar (algumas realmente o fazem) e comentar o que se viu e o que ainda se verá. Eu gosto de ser chiquezinha de vez em quando.

Além do mais, EU POSSO.

Assim sendo, meu primeiro filme deste ano da modesta listagem de 10 (3 assistidos com sucesso, 1 perdido para a ressaca dominical, 2 já comprados e 4 dependendo da boa vontade da cinéfila em se despencar de um lugar a outro correndo esbaforida), foi "Om Shanti Om".

Enquanto moça quase que informada, eu tinha alguma idéia do que era Bollywood, mas, na verdade, descobri que eu não sabia era de nada. É tudo muito melhor e muito mais legal do que eu imaginava que fosse! Fiquei fã. Quero muito outros filmes assim!

Melhor filme que eu vi no final de semana disparado!

E, enquanto cantarolo o tema do filme - que fica bem grudado na sua cabeça depois, talvez não só pelo refrão, mas devido a um clip enooooooooooooorme com ele no meio do filme - ficarei esperando ansiosa pelo meu encontro com o Dario Argento.

Eu me esforço, mas não tem jeito, meu gosto pelas coisas mambembes da vida sempre me vence.


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Mesmo que eu ainda pense, ando achando ótemo PODER fazer o que quiser...! Pusta privilégio!
Ando brincando com a liberdade com uma gula que eu não conhecia há muito tempo...
Brincando com todas as luzes, cores, sons, pessoas, dias e noites.
E só não digo que estou leve como uma pluma por motivos bastante óbvios...
A frase é certa.
E eu, exausta.
(Com um sorriso estampado de orelha a orelha.)

...Essa vida de mulher solteira é muito mais fácil de levar aos 20 e poucos anos...
...Aos 30, a gente fica exausta!

sexta-feira, setembro 19

A Viagem (que nem deu em novela)

Tá bom.
O GPS não falhou. E nem deu tempo de curtir o submundo.
Submundo? É. Ontem tive que me aventurar a ir até a Cidade Nova.
Ah, Renata, qual é o mistério?
Pra você, que se acha, nenhum.
Pedi mil indicações, olhei mapa na internet, tudo para tentar garantir com 100% de certeza que eu não ia padecer perdida em algum lugar bem além dos quais eu estou acostumada a ir. Mas, o que aconteceu foi que eu peguei um ônibus, fiz uma viagem de uma hora e meia de ida - onde tive tempo de ler TODO o jornal e depois me peguei namorando o cu da Lapa e pensando como era uma coisa curiosa ter tanta funerária no mesmo quarteirão até me deparar com o IML, que, se eu não tivesse visto em toda a sua grandeza, jamais teria a menor noção de onde era a sua versão física - aí saltei direitinho, reconheci um prédio, olha que maravilha!, achei o que eu queria, atravessei a rua, peguei outro ônibus e fiquei mais uma hora inteira lá dentro olhando a paisagem e pensando na vida.
Carioca adora reclamar de trânsito, de engarrafamento e tal, mas eu gosto. Dá tempo de ler as coisas que eu preciso, de pensar em todas as coisas que eu não preciso, de admirar as ruas, os prédios, as pessoas - e eu gosto um bocado de admirar as coisas. É um bom passatempo.
Um bom passatempo que não pra fazer toda hora, claro, porque gasta-se tempo e eu não disponho mais de tanto tempo quanto costumava dispôr.
A única coisa ruim é que eu me lembrei de um comercial que eu vi há muitos anos atrás, onde aparecia um rapaz de pé e fazendo cara de dor enquanto andava de ônibus e aí a câmera mostrava que o ônibus estava vazio e vinha o anúncio de um remédio de hemorróidas. Eu não tenho hemorróidas, mas que a minha bunda ficou bem doída, isso lá ficou. Bancos de coletivos já foram mais confortáveis.
E, contrariando todas as regras, eu não me perdi.
Submundo porque a área tem um quê de submundo. É suja, é pobre, é velha. Eu acho um charme. É bacana observar os sobrados, onde nascem plantinhas do nada e que têm lojinhas de badulaques enfeitadas com estrelinhas do lado de funerárias da época da vovó do lado de verdadeiros pés sujos com neguinhos sovaquentos que ficam do lado de barbeiros que ainda usam navalhas e jalecos, saca? Sem definição melhor, é kitch, é bonito. Mas eu não deixo de ter um medinho bem grande de ficar perdida entre as ruelas do lugar sozinha, penteada, cheirosa e fina do jeito que eu sou.
Acho que semana que vem até vou fazer de novo!
Hehe

Horóscopo

Eu quis rasgar o jornal em um milhão de pedaços quarta-feira quando li o horóscopo, aí hoje eu acho que os astros resolveram me compensar pela decepção e eu já fiquei feliz e crente de novo.

"Todos os anos, sempre entre os dias 19/09 (Hoje) e 07/10, o Sol em trânsito se conjuga à Lua do seu mapa, Renata. Este tende a ser um período feliz e de particular brilho pessoal, mas só se você estiver colaborando para esta felicidade. Traduzindo em miúdos, este ciclo age como uma espécie de "catalisador" para aqueles que vêm tomando atos construtivos e que estão se empenhando em algum projeto que envolva o próprio desenvolvimento. Para aqueles que se encontram na inércia, este ciclo também não deixa de ser positivo, e tem a ver com uma "sacudida" que o Universo dá na pessoa, estimulando-a a despertar, a acordar pra vida. "

quinta-feira, setembro 18

Paliativos

* Quando a coisa aperta muito, eu taco logo um chocolate dentro da boca. Chocolate libera endorfinas e, como eu aprendi quando assisti "Legalmente Loira", pessoas que produzem endorfinas ficam felizes e pessoas felizes não matam as outras. Tudo bem a endorfina dela era gerada pela malhação, que não seria uma má idéia, mas todo mundo sabe que não sou chegada nisso apesar de precisar e que, essa parte da vingança nunca dura mais que dois meses e sempre me leva a gastar muito mais dinheiros do que eu posso me dar ao luxo. Assim sendo, chocolate fica liberado até dia 20 - depois eu tenho mesmo que fechar a boca. Nem por vingancinha, mas porque eu tenho um casamento vindo aí e se eu usar essa profilaxia muito tempo não vou caber dentro do meu incrível vestido verde musgo que eu adoraria ter trocado pelo incrível vestido verde-água.

* Estou me consolando pensando que a minha conta de telefone há de diminuir consideravelmente - assim como outras contas, desconfio - o que me dará uma verba extra para adquirir várias coisas fúteis, brlhantes e cor-de-rosa que eu cobiço diariamente.

* Não preciso mais depilar nada se eu não quiser. Essa liberdade de escolha é algo que sempre me regojiza. A única pessoa que olha as minhas coisas agora é a minha filha e ela acha o maior barato a mamãe ter espinhas na perna. Sem sacanagem nenhuma, poder andar parecendo um king kong se isso lhe convir é o máximo da liberdade feminina.

* Por outro lado, agora, mais do que nunca, é preciso depilar as sobracelhas e fazer as unhas com uma regularidade religiosa. Os cabelos eu já pintei. O resto também tem que ficar um brinco. Faz tempo já que o slogan é "posso até morrer, mas morro linda!". Não vou morrer, com certeza, pelo menos não de morte morrida. Não tenho a menor intenção. Mas linda eu vou ficar. Choro em público está terminantemente proibido porque borra a maquiagem e eu sou uma mulher muito fina.

* Também é bom pensar que a meta sempre foi ser agora o que meus amigos foram aos 20 anos, só que numa versão aprimorada e bem mais velha (no sentido implicante da coisa mesmo - não era essa a palavra, mas cabe) da coisa. Preciso viver para estudar e virar a mais cabeçuda das criaturas para poder arrumar um emprego fodão. As noites de final de semana em que a Olívia estiver em casa serão muito bem aproveitadas lendo todos os textos e coisas e livros que eu tenho para ler, porque assim eu vou ficar sabendo tudo e vou aumentar meu cr e... papo nerd da porra...

Ai, eu posso listar mais um monte de coisas, eu acho, mas vou ao submundo agora...
Eu compreendo também que preciso mudar de assunto.
Compreendo que se eu conseguir voltar da minha excursão à caixa prego, teremos assunto.
Compreendo que eu não me enganei e continua chovendo fininho, apesar de um solzinho bunda estar querendo sair.
Compreendo que adorei escrever compreendendo coisas... (hehe)

Sabedoria e Melodrama

Essa coisa de virar adulta de fato me deu a compreensão de vários fatos cacetes da vida.
A uma hora da manhã, eu compreendo que a minha monitoria vai acontecer e que eu vou ter que estar lá daqui a pouco, chova ou faça sol, dormida ou insone – como é o caso. Compreendo que a previsão do tempo errou feio ao declarar que a quinta-feira seria de sol, porque chove pra caralho ininterruptamente e eu já estou de saco cheio de andar pelas ruas molhando os sapatos e passando meus dias sentindo um frio de doer os ossos. Compreendo que eu vou ter que ir até onde o vento faz a curva na hora do almoço, num lugar longe, bem longe mesmo, onde eu não sei nem chegar, debaixo de chuva e rilhando os dentes. Compreendo que um tempo desses faz ser muito mais tentador ficar na fossa e que as minhas tentativas de rir, brincar e fingir que a vida é azul e que eu estou feliz estão numa escala super reduzida. Eu compreendo que o dia será negro e que eu vou me foder.

Talvez não tanto como hoje.
Eu compreendo que a gente nunca deve dizer que não pode ficar pior, porque sempre pode, sempre pode. Compreendo que ainda existem um milhão de coisas que eu tenho que aprender e erros que eu não deveria repetir, como pôr a mão no fogo por causa de qualquer outra pessoa que não seja eu. Compreendo que as pessoas sempre podem te decepcionar mais do que você algum dia esperou que elas te decepcionassem. Eu também compreendo que não é tão ruim assim, visto que eu já passei por isso algumas vezes e continuo insistindo, acreditando e ficando mais teimosa, difícil e neurótica a cada ano que passa; mas vivinha da Silva e ainda achando coisas cor-de-rosa.

Compreendo que melodrama é chato pra caralho, mas também compreendo que eu posso me dar ao luxo de dramatizar um pouco neste momento – mesmo tendo a plena compreensão de que vai passar e de que, provavelmente, ainda vai acontecer de novo. Compreendo que ando sendo lobotomizada, e com muito orgulho, mas quase caí pra trás ao ler o vienense analisando as pessoas com mania de limpeza e tendências artísticas e sua inserção na civilização – desisti quando cheguei no amor.

Compreendo que hoje desisti quando cheguei no amor. Compreendo que, de repente, me bateu uma pilha de que eu estou me sentindo uma espécie de Lady MacBeth pós-moderna; a diferença é que eu compreendo que por mais que eu limpe e lave e troque, as imagens não vão sumir da minha cabeça. Compreendo que eu entrei na fase do enjôo; onde músicas vão me enjoar, programas de tv, comidas, que até a pequena sereia, coitada, vai levar a sua parte nisso.

Compreendo que hoje tenho todo o direito a melodrama que eu quiser. Que o coração parece que vai explodir dentro do peito. Compreendo versos de Vinícius, expressões adolescentes. Compreendo que o mundo não vai parar por causa disso. E compreendo que vou levar um tempo a base de paliativos até que consiga chegar à parte do amor de novo.

Foda é que ser praticamente um clone do Mestre Shi-Fu não me ajuda em nada.
Não hoje.

Pedido de Desculpas (nem tão) Público Aos Amigos Amados Pelos Anos de Zoação

(...Diretamente de duas semanas atrás...)

Eu tenho vários amigos jornalistas.
Acontece que quando eles estavam na faculdade, eu estava correndo atrás de peitos meio cabeludos, músicas barulhentas e romances de Stephen King. Enquanto eles discutiam apaixonadamente as coisas que aprendiam e descobriam e o novo mundo que se abria para eles, eu adorava rir de me acabar e sacanear dizendo que eles eram todos muito cabeçudos.
Os anos se passaram e o amor entre nós continuava assim. Renata e os Cabeçudos.
Quantas vezes eu não saí correndo de um programa cabeçudo! Quantas vezes não quase fui atacada a tapas por algum deles (na verdade, essa foi uma vez só, mas eu tenho certeza de que existia mais gente querendo)!
E então, lá em cima, alguém lá em cima resolveu que ia ser deveras engraçado e recompensador aos pobres cabeçudos sofredores meus amigos, se eu pagasse pela minha língua em vida. Deve ter olhado lá de cima, o safado, e dito:
- CONTINUE A DAR TUA RISADA, Ó HEREGE! TU TAMBÉM HÁS DE FAZER JORNALISMO! TU TAMBÉM HÁS DE VIRAR UMA CABEÇUDA! MUWAWAWAWAWA!!!
E aí, dito e feito. Cá estou eu. E cá estou eu, encantada de estar fazendo o que tanto desdenhei por anos e anos a fio, depois de procurar em todos os lugares possíveis por uma saída de um destino tão impossível de se sair.
Peço perdão.
À força, tenho sido obrigada a me confrontar com temas e autores que jamais veria, leria, pesquisaria e aprenderia se não fosse a faculdade. E isso tem sido encantador.
Peço perdão.
Assim sendo, tenho me flagrado em situações de discussão destes temas e autores em público e com outras pessoas.
Peço perdão.
Eu virei um ser tão cdf, mas tão cdf, que eu perco as noites do meu final de semana fazendo trabalhos, enquanto minha filha e meu namorado ficam na beiça – que eu vou dar monitoria para um professor!
Peço perdão.
Hoje, consegui, mais uma vez, me sentir um pouquinho mais inteligente ao sacar que ando sacando tudo de Platão (ainda que precise dormir com alguns livros debaixo do travesseiro por uns dias pra ver se a coisa toda entra por osmose*, já que tempo hábil pra ler todos os volumes que eu peguei emprestado, nem se eu nascer em outra vida). É maravilhoso quando a gente consegue se sentir mais inteligente, mais hábil. Fico extremamente orgulhosa de mim mesma!
Peço perdão de novo.
E de novo.
E de novo.
E quantas vezes forem necessárias.

Não que tenha adiantado de alguma coisa entender de Platão, assim que a luz acendeu no meu já prejudicado de várias maneiras cérebro, ouvi aquela voz: “Aula que vem eu começo Aristóteles”. Aí senti vontade de sair correndo gritando.

Dentre esses amigos, dois em especial, merecem pedidos de perdão eterno de minha parte por todos os anos de sofrimento, chacota, zoações e toda a sorte de sacanagens verbais das quais eu me utilizei ao longo desses mais de 20 anos do amor que eu tenho por vocês.

Ainda assim, prometo não discutir tudo isso em público a não ser que seja extremamente necessário e declaro para os devidos fins que, sim, posso estar sendo atacada por um vírus mutante do cabeção, mas continuo perseguindo meu peito cabeludo, ouvindo músicas barulhentas e tentando ler todos os romances de Stephen King (coisa impossível, porque o homem escreve mais rápido do que eu posso bancar pelos livros dele, ainda faz o favor de procriar escritores igualmente palatáveis a minha pessoa e; se eu só o lesse, como ia ler as outras coisas cabeçudas?).


De vez em quando ainda uso trancinhas!

Lá em cima, alguém gargalha, rola e sente vingado.

*Como todo mundo sabe, eu acredito em muitas coisas. Bruxas, filipetas, jornais, Papai Noel, Duendes, Elfos, Fadas, Santos, simpatias e por aí vai... Então um dia eu li em algum lugar qualquer que se a gente quisesse decorar alguma coisa, bastava ler rapidamente, pôr debaixo do travesseiro e dormir, que as palavras ficariam gravadas. Eu acredito nisso até hoje. Não sei se funciona, mas é lírico pra mim e eu gosto da liberdade poética da coisa.
(Que comentário mais cabeçudo esse meu!)

terça-feira, setembro 16

Saudades de quando...

Eu tenho muitas saudades daquelas sessões que alguns cinemas tinham que eram tipo 11 da manhã, meio-dia. Essas sessões só existem hoje, pelo que me consta, em um cinema lá no Centro da cidade e eram uma verdadeira maravilha!
As únicas pessoas que frequentavam eram os velhinhos e alguns adolescentes que matavam aula. Eram vazias, tranquilas e, geralmente, mais baratas.
Agora, que eu tenho dois longos intervalos nas minhas obrigações acadêmicas por semana passei a sentir uma saudade imensa delas! Eu poderia vir à faculdade, sair, ver um filminho, voltar, numa boa...
Sem elas, eu fico à mercê de uma cantina cheia de guloseimas calóricas e matadoras ou enfurnada em uma sala gelada feito o ártico fazendo nada na internet e pensando em uma variedade de coisas que não prestam e não me dão futuro.
Tudo bem que, às vezes, eu estudo.
Tudo bem que, às vezes, eu consigo fazer as unhas.

Até o pão francês agora vai levar farinha de mandioca, o que me leva a crer que estão aniquilando meus pequenos prazeres e que eu estou me tornando um ser antigo de verdade - quase da Era Mesozóica.

E ainda por cima não tenho visto filmes o suficiente e não consigo terminar nenhum livro há semanas (tudo bem que isso pode ser porque eu ando lendo vários textos variados e um livro inteiro)!

Cara, a vida é muito dura, viu?

segunda-feira, setembro 15

Momento Exposição

Tem uma amiga que anda com a fixação de eu me transmutei na Bree - personagem de um seriado que tem mania de limpeza de cria um par de filhos pivos - e, tirando a parte dos filhos, que eu gostaria que se saíssem bem melhores que um veado e uma piranha sem nenhum escrúpulo, talvez ela tenha lá alguma razão no que diz.

Como o Mundo sabe e eu já escrevi um sem número de vezes, eu sempre curti as minhas dores de cotovelo. Passava dias, em um caso bastante célebre passei duas semanas inteiras, deitada na cama chorando, botando pra fora aquela dor do fim.
Quando era novinha achava linda essa coisa de morrer de amor.
Mas, com o passar dos anos e a chegada da filha, meu tempo pra isso ficou bastante reduzido. Passei a poder gastar um dia, no máximo, com a minha dor, debaixo dos meus lençóis.
Também venho aprendendo - não sem decepção - que a maioria dos clichês que as pessoas te dizem são verdades verdadeiras. Hoje em dia não se morre mais de amor, existe pílula pra isso; além do mais é cafona - bem mais cafona do que eu me definiria.

A dor de cotovelo geralmente advém de uma briga; e não necessariamente com um homem, amigo também vale, filho, então, nem se fala!
E, quando ela vem. Vem forte. Vem mesmo.
E eu me deito. E choro.
Aquele choro de cair dormindo e ter dor no corpo no dia seguinte que poucas pessoas se permitem. É preciso se permitir lavar a alma nessa escala e eu sempre me permiti.

Dessa vez, não me deitei.
Não no primeiro dia.

No segundo, levantei, no meio daquele silêncio e daquele espaço gigantesco que vira a minha casa quando eu estou sozinha e fui limpar tudo.
Faxinei aquilo como se não houvesse amanhã. Como eu não faxinava há mais de um mês. Faltaram só as pás dos ventiladores da sala porque eu tive medo de cair da escada e as janelas da porta da varanda, que eu já não tinha mais coluna para encarar.
E enquanto eu limpava, fui percebendo que o meu modo de expurgar as coisas tinha mudado de lugar; que enquanto eu limpava, varria, lavava, trocava lençóis, estava limpando também qualquer coisa física, qualquer cheiro, qualquer cabelo que pudesse ter ficado no meio do meu caminho para que eu pudesse continuar.
O silêncio já durava dois dias - o maior tempo de silêncio em todo esse tempo.
E eu lidei com ele achando um disco, uma calça, um cordão - rastros que eu nunca deixei espalhados pelo espaço dele, e que estavam ali pra me lembrar como isso tudo vai ser difícil, doído.
Eu fiz isso até não aguentar mais, até caírem gotas de suor pelo meio do meu rosto, até o meu corpo reclamar do movimento pesado - até que eu sentisse que o ambiente estava limpo o suficiente.

Mesmo assim, ele não está limpo o suficiente.
Não vai estar tão cedo.
Coisas continuam aparecendo, hoje o silêncio acabou.
No meio do silêncio repeti mantras, lembrei clichês, desenterrei histórias - tudo para me certificar que eu vou ficar bem. Porque eu preciso ficar bem.
Hoje, existe a mentalidade imbecil de que eu tenho que ser forte em absolutamente todos os minutos da minha vida diária porque existem uma série de responsabilidades e compromissos que estão cagando horrores se eu estou bem ou não, que continuam funcionando e demandando.
Essa noite demorei a dormir, acordei durante a noite várias vezes, todas pensando NO assunto. Acordei e fui imediatamente repetir os passos de ontem e arrumar, lavar, cozinhar - deixar tudo um brinco de diamantes e distrair a minha cabeça do que me é realmente importante.
Quando o silêncio quebrou, eu já não tive mais tanta certeza de que eu vou conseguir ser tão forte assim - seja qual for a decisão que eu vá tomar. O coração aperta, duas lágrimas fogem, a pior parte, que é a da dor, começa a vir cobrar a sua fatia da história.
Continuo sem tempo para deitar e chorar e sei que vou chegar em casa e vou repetir os feitos da manhã que já foi bastante longa.
Talvez eu tenha me transformado mesmo.
Talvez isso funcione para não me deixar cair.

sexta-feira, setembro 12

A Aventura do Gelo

Consta que era um hábito da minha época, mas eu nunca fui e não tenho lembrança dessa coisa de "Hollyday on Ice". De toda forma, de repente começaram a pipocar uma tonelada de shows infantis "on ice" por aqui nos últimos meses. Como eu nunca tinha ido, nem acho lá muita graça nessa viadagem de patinação no gelo, o apelo pra mim era uma coisa próxima ao zero; e se eu já achava uma coisa meio gay, o que eu posso dizer sobre o ursinho Poo (que, quando eu era criança, chamava Puff) piruetando no meio de uma arena de gelo que não possa fazer deste post uma coisa mais preconceituosa?

Mas, então eu vi um anúncio no jornal de que haveria uma apresentação dessas d"As Princesas". Como é de conhecimento geral, a minha filha tem certeza - e eu faço de tudo pra que seja mesmo - de que ela É de fato uma princesa. De uma hora para outra, me render ao "on ice" passou a ser um compromisso inadiável. A minha princesa jamais me perdoaria se eu deixasse de levar ela para ver as suas ídalas - isso por si só, o que piorou bastante quando todas as outras amiguinhas dela também confirmaram que iam às apresentações, eu seria a maior bruxa de toda a história se não desse esse presente pra ela!

Os ingressos foram comprados e escolhidos para a primeira semana de apresentações, num lugar estratégico e mais caro, onde eu tinha certeza de que ela poderia ver tudo direitinho, ainda no mês de julho. O sigilo foi mantido até o início deste mês, porque eu tinha certeza de que se eu contasse que nós íamos ver As Princesas ao vivo e à cores, não teria mais sossego na vida até o dia do show. Dito e feito. Passei as duas últimas semanas ouvindo a pergunta todas as vezes que passávamos pelos cartazes espalhados pela cidade ou que ela conseguia ver o anúncio no jornal.

Nestas duas últimas semanas também, vale dizer, os ânimos andaram exaltados - de ambas - e nós passamos por um período meio punk.

Assim, com um sono super acumulado por noites mal dormidas, pela rotina que anda pesada, debaixo de um sol egípcio, chegou o grande dia.

Eu armei quase um esquema de guerra. Eu bem poderia ter ido de Metrô direto até lá, mas andei lendo no jornal que "aquela" passarela que leva até o Maracanã anda um território de ninguém, então esta primeira alternativa foi descartada imediatamente porque eu não sou mulher de pôr minha filhota em risco para poupar dinheiros - muito pelo contrário, sou mulher de deixar de fazer muitas e muitas coisas pra mim (e isso fui eu pensando na minha sobrancelha que está parecendo uma taturana) para dar o mundo pra ela.

A segunda opção era pegar um ônibus até lá direto, mas eu comecei a desconfiar que ia saltar no ponto errado, que ia ter que ficar rodeando o estádio perdida e submetida aos mesmos perigos da passarela - eu sou uma pessoa sem GPS, é fácil, fácil eu me desorientar.

Então, depois de consultar a mãe, a tia (que ligou prum outro tio, esse sim com GPS), ficou decidido que eu pegaria o ônibus do Metrô até o Metrô para saltar numa das estações da Tijuca e de lá pegaria um taxi até o estádio.

Não foi à toa que eu perguntei à ela: "Pronta pra aventura?".

Ela estava. Sempre está.

E realmente, foi a melhor coisa que eu fiz, esse plano de guerra. Enquanto o taxi rodava o estádio eu não me segurei e soltei "Ah, bem que eu sabia que não ia dar certo eu vir andando até aqui!".



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Como em todo show de grande porte, a banca de souvenires era um espetáculo à parte.

Um tal de varinha que brilha, espada que brilha, negócio que roda (eu não sei bem pra que diabos servia aquilo), bonequinho assim, bonequinho assado... Olívia ficou deslumbrada! Mas a mamãe aqui, que já está dura, só pra dar uma variada, e além disso tinha de fato levado pouca grana, chegou à conclusão de que existem um milhão de brinquedos disponíveis por aqui da franquia milionária para vender e que conseguia achar uns bens mais bonitos e baratos lá no Saara. Ela aceitou numa boa e, para não dizer que ela não ganhou nada, compramos uma pipoca que devia ter sido feita de milho de ouro para que ela pudesse, a partir de agora, ter o seu próprio balde de pipoca (eu tenho o meu do Cirque De Soleil e ela e o Arnaldo dividiam a propriedade do balde do Aragorn até agora); e um merecido souvenir desta tarde memorável - apesar dos preços e do meu bolso furado, toda criança merece um souvenir de um evento memorável como este, por mais chulé que ele possa ser.

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Nossos lugares não poderiam ser mais perfeitos!
As duas fileiras da frente que constavama como esgotadas quando fui comprar nossos ingressos, milagrosamente estavam vazias. Zit. Ninguém na frente. E, se eu tivesse comprado ingressos nelas, provavelmente a nossa visão seria prejudicada - logo, ponto!
Só foi foda chegar à cadeira e descobrir que atrás de mim estavam 4 lindas e minúsculas princesinhas, mas aí morreu o neves porque eu comprei o lugar e não dava pra deixar a minha princesa sozinha (até porque a minha ainda era menor que ela). Morri de culpa o primeiro ato todo (e as mães delas de raiva), mas no segundo elas pularam pra frente e ficamos todas mais felizes.

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E, como até eu tenho medo dessa minha deficiência de GPS, mesmo com a operação certa e cronometrada (esqueci de mencionar que eu cronometrei a operação, né?) de guerra, chegamos cedo a rodo. Pra mim, beleza, garantia de já estar no lugar certo, na hora certa. Eu fico agoniada com horas. Pra ela, uma espera sem fim. Relógio de criança é uma loucura! Esperar cinco minutos por algo que ela queira equivale a esperar umas cinco horas pelo nosso relógio; agora esperar por algo que você queira...
Enfim, após uma loooooooooooooooooooooooooooooooonga espera (no relógio dela; no meu foram só vinte minutos), um locutor avisou alguma coisa.
O início foi impossível de ouvir. A multidão - e olha que não estava lotado, eu olhei, tinham váááááários lugares vazios na parada; o que, aliás, era bem a minha intenção quando comprei ingressos pruma quinta-feira à tarde - berrava alucinadamente, flashes espocavam num balé que ia se repetir ao longo das quase duas horas que passamos lá dentro. Meu queixo caiu. Parecia show de rock. Só me lembrava de ter visto reações parecidas com, sei lá, New Kids On The Block (um ponto negro da minha biografia sobre o qual nós não vamos falar agora)!
A segunda parte eu entendi. Dizia que as pessoas não deveriam tirar fotografias. Muito menos com flashes porque isso poderia distrair os atores e eles poderiam se machucar. Flashes espocavam, lembram? Não deu tempo deu sentir vergonha de ser brasileira ou ficar indignada com a surdez seletiva e falta de educação do estádio inteiro. O show começou.
(E, de fato, o príncipe da Bela Adormecida veio a se esborrachar no meio do espetáculo, sem tirar o sorrisão congelado do rosto, levantando imediatamente. E o segundo aviso sobre "vamos expulsar vocês seus mal educados" não veio, como eu esperava que viesse.).

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E então eu entendi tudo.
Como é de hábito, Olívia permaneceu estática durante todo o espetáculo, com leves excessões para quando aparecia uma bruxa e para quando o príncipe enfiou o sapato no pé da Cinderela, quando ela me olhou, juntou as mãozinhas e soltou um "oooohh" debochado que me fez rir à beça; mas eu, eu parecia uma retardada.
Acabei de me lembrar como eu ri com as reações da minha mãe ao Circo do Solzinho e me envergonhar profundamente, porque, dessa vez, a ridícula fui eu!
Eu ficava lá, "Oóoóolha, miíinha fiíilha!", "Ôôôlííívia, óoóolhaaaaaaa!!!", e cantava as músicas, chorava um pouquinho pelo canto do olho emocionada.
Até bater palma eu bati! Quem conhece, sabe que eu não bato palmas, que eu acho um gesto desnecessário e imbecil. Então. Bati. Alto.

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Nunca vou confessar isso verbalmente ou em voz alta, mas, depois de bater palmas, lá pro final, me deu pena de não ser mal educada e não ter levado a minha câmera.
Não existem fotos desse momento.

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Um mês antes, tinha saído no jornal uma matéria sobre o espetáculo.
Tinha foto, tinha entrevista. Nas entrevistas, os dois bailarinos diziam que o momento mais bonito era quando tudo se transformava no fundo do mar. Eu, quando li a matéria, pensei: "Que bom que eu vou!".
Que bom que eu fui!

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Fora o fato da Ariel e da Aurora parecerem dois travestis, reconheço humildemente que, para patinar no gelo fantasiado de Fera ou como o Gênio da Lâmpada é preciso ser muito macho. A parada é realmente um espetáculo.

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Olívia chegou em casa "apaixonada pelos príncipes", segundo a própria (no que eu não posso discordar; tirando uma ou duas perucas, os moços eram príncipes mesmo), quis ligar pra todo mundo pra contar como tinha sido, dormimos abraçadinhas na minha cama e a paz voltou a reinar no nosso castelo.
Hoje, o encanto dela continua.
Eu fico feliz de poder proporcionar a ela memórias memoráveis; ao mesmo tempo, fico triste por não poder dar o mundo.
Me consola pensar que quem tem o mundo, não tem o que a gente tem.

sexta-feira, setembro 5

Telefonema

E aí a minha mãe me liga...
- Você está lembrando que hoje é aniversário da mamãe?
(Mamãe, no caso é a dela, minha avó, que faleceu há 3 anos).
- Não, mãe, confesso que nem me passou pela cabeça...
- 100 anos...
- E aí, você já deu os parabéns pra ela?

Ante este diálogo, era a única pergunta cabível.
A nossa família tem disso... Mesmo depois de morta, as cinzas da vovó ainda ficaram quase dois anos na sala da casa dela - numa caixinha providencialmente enfeitada com um paninho bordado e um vasinho de flores em cima - e ela continuava participando dos jantares de dia de qualquer coisa que a gente faz...

Manhã de pressa

Deus que me perdoe, mas namorado em casa em dia de semana é de foder.
Não que isso deva ser mal interpretado; eu amo dormir abraçada naquele peito cabeludo, amo acordar com beijinhos, tomar café com a minha “família”; mas, acordar quando o dia ainda nem é dia e você tem horário pra cumprir, e encontrar os despojos da noite anterior pela casa e ter alguém dentro de casa que não tem pn com o seu horário, mata a manhã de qualquer mortal.
Eu ia reclamar especificamente dele, mas cheguei à conclusão de que a problemática que envolve esvaziar um cinzeiro ou guardar as coisas de volta na geladeira ou jogar papéizinhos no lixo, é uma prerrogativa masculina.
Mesmo tendo chegado a essa conclusão, ainda assim, fico enlouquecida de acordar e encontrar o que eu chamo de “rastros” pela casa. Nesse momento, eu começo a bufar. Na etapa em que eu passo a guardar e lavar as coisas, existem fiozinhos de fumaça saindo pelas minhas orelhas – porque, ao invés de estar na pia, eu poderia estar sentada na mesa da sala tomando minha caneca de café em paz e me conectando com o mundo.
Nada é pior do que levantar da cama e cair direto no trabalho de casa.
Nada desperta mais a minha vontade de contratar uma faxineira do que acordar numa situação dessas e pensar que você que vai ter que arranjar tempo no seu final de semana para limpar a bagunça que as outras duas pessoas da sua vida fazem e deixam lá de presente pra você.
E aí ele se levanta. Falta meia hora para você ter que sair de casa – para você poder sair de casa com calma.
“Estamos de mau humor, é?”.
“Não. Tem de ninguém de mau humor aqui, não”.
Claro que essa frase é dita entredentes e meu olhar me denuncia. Infelizmente, eu não sou boa de blefe, de disfarce, de dizer uma coisa quando penso outra porque o meu olhar sempre denuncia e eu não tenho controle sobre isso. Quantas vezes eu já ouvi da minha filha, “mamãe, porque você está me olhando com essa cara de brava?”; ou de outras pessoas, “essa forma que você está me olhando agora”...
Corre, rebola, arruma, “come, minha filha, pelo amor de Deus!”.
Quinze minutos para o limite da sua hora segura.
“Preciso fazer a barba”.
“Não dá tempo!!!”.
“Eu não disse que ia ser agora...”.
E levanta para pegar mais um café.
Dez minutos para a hora limite.
“Vou tomar um banho”.
Ai, Jesus!
“Então vai, que já ta na hora!”.
Eu tento me controlar. Fico olhando para o relógio e quase posso ver o ponteiro dos minutos se mexendo. O mundo já acontece lá fora e eu parada esperando. Eu nem precisava ir agora, mas quero entender melhor como usar um programa que eu já soube usar há muito tempo atrás.
A criança já está vestida, calçada, as mochilas prontas. Ele vem só de calças, botas os sapatos como se ainda faltassem dez minutos para a hora segura e não tivessem passado dez minutos dela.
Eu solto gemidos de “vamos, vamos”, a criança descobre um par de lápis e começa a fingir que toca um reco-reco ao mesmo tempo em que canta animadamente pela sala. Ele bota a camisa. Eu bufo. Ele acende um cigarro, eu ignoro o relógio e abro o jornal enquanto meu pensamento só é capaz de pensar em palavrões cabeludos e eu sinto que o meu rosto está ficando com uma certa coloração avermelhada.
Eu já estou 20 minutos atrasada.
“E aí, vamos?”.
“Vamos, ué! Estou só esperando você!”.
“Eu que estou esperando você! Estou pronto há dez minutos!” – e aí ele pega as palavras cruzadas do jornal.
Tive vontade de chorar.
Eu me jogo na cadeira, solto um gemido e cinco minutos depois, consigo expulsar os dois de casa.
Como a dor não pode ser rápida, eles resolvem andar a um passo que até velhinhas de andador seriam capazes de fazer uma ultrapassagem nada perigosa. Os dois parecem não me notar.
Como não podia deixar de ser, assim que chegamos à Praia de Botafogo, meu ônibus passa. Eu perco. E aí ele resolve engatar uma primeira violenta e vai embora mandando beijos muito satisfeitos.
Esses beijos, melhoram um pouco o meu humor – apesar deu ter certeza absoluta de que ele bem que podia ter ficado um pouco conosco no ponto, já que não tinha pressa de nada no mundo – e, eventualmente outro ônibus chega. Eu chego atrasada.
Manhãs com pressa não combinam com namorados. Namorados combinam com longos cafés da manhã, com pães, café preto, jornal, bagunça calma, beijos, dias de sol; com pressa não combina. Fode a manhã da cidadã.