quarta-feira, dezembro 27

Coisas para guardar - Primeiros escritos

Uma quase não-história

"A hora da estrela", Clarice Lispector, Editora Rocco, 1998.

O livro conta a história da nordestina Macabéa, uma história que é quase uma não-história, visto que a personagem leva uma quase não-vida.
A autora tenta, através desta figura, nos fazer refletir e fazer um retrato sobre as vidas das pessoas que emigram para os grandes centros urbanos atrás de "melhores oportunidades de vida"; lida com o estereótipo de que essas pessoas se agrupam a pessoas na mesma situação e com o quanto é dura e solitária esta opção.
O caso de Macabéa, porém, é um caso aflitivo extremo. Nascida em Alagoas, criada por uma tia beata em Maceió. Depois da morte desta tia cujas "as pancadas esquecia pois esperando-se um pouco a dor termina por passar", muda-se para o Rio de Janeiro onde divide uma vaga com outras moças - que nunca lá estão - e trabalha como datilógrafa de uma firma representante de roldanas.
Macabéa é retratada como tendo "cara de tola, rosto que pedia tapa", "(...)tão jovem e já com ferrugem", de um "(...)olhar de quem tem uma asa ferida", magra, fraca, sem nenhum encanto natural.
Seus prazeres na vida são escutar a Rádio Relógio e tomar um gole de café frio antes de dormir e gostava de coca-cola e goiabada com queijo.
O que torna a personagem tão aflitiva é o fato de que ela apenas existe.
Ela não ambiciona nada, não deseja nada, nem sabe direito sentir nada. Quando muito se desculpa por existir.
Ela só passa a existir e querer quando visita uma cartomante: Madama Carlota, uma ex-cafetina "enxundiosa", que pela primeira vez lhe dará um destino.
Como não é incomum, esta personagem - que não passa de uma charlatã - lhe diz então que Macabéa conhecerá um estrangeiro riquíssimo e que com ele se casará.
Munida de um novo destino, embriagada pelo mesmo, é atropelada por uma Mercedes (cujo símbolo é uma estrela) e nem chega a se dar conta de que está morrendo até o último momento.
Desta quase não-história, fazem parte também outros personagens, seus únicos contatos com o mundo: o Senhor Raimundo Silveira, seu chefe, que a acha um poço de incopetência e burrice, mas a mantém no emprego por pena; Olímpico de Jesus, um paraibano que chega a ser seu namorado por um tempo e Glória, sua colega de trabalho.
Olímpico de Jesus é cheio de ambições, queria ser deputado pelo Estado da Paraíba, tinha um dente de ouro porque "este dente lhe dava posição na vida". A saudade de sua terra natal é o único elo que possui com Macabéa, porque na verdade achava que ela era um subproduto e acaba se apaixonando por Glória uma vez que "(...)sentiu logo que ela tinha classe".
Já Glória "(...)era um estardalhaço de existir". Branca com o pé na mulatiçe, com os cabelos oxigenados, gorducha. O total oposto de Macabéa, ainda assim "em relação a Macabéa, Glória tinha um vago senso de maternidade" e era sua colega.
Nesta trama, existe ainda a figura do Narrador; também um personagem inventado, que se intromete no que narra e é uma figura masculina a fim de não tornar o texto piegas. A única figura que acompanha toda história de Macabéa, que se apaixona e se revolta com ela e, ainda assim, naõ interaje com ela.
É impossível, ao ler o livro, que não se questione a própria vida e não se aflija, se afete de algum modo com a vida desta nordestina que existia por existir e que descobriu uma possibilidade de existênca tarde demais.

(RJ, 09/10/06)

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