sexta-feira, dezembro 29

Coisas para guardar - III

"Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio..."
De uma frase de um poema do escritor escocês Robert Burns, nasceu o título de um dos melhores livros já escritos; "O apanhador no campo de centeio" é um livro tão bom que, depois dele, J.D.Salinger - seu autor - não publicou mais nada.
A frase se torna relevante por ser não só repetida, como bastante representativa do momento particular de vida de seu personagem principal: o "infernal" Holden Caulfield.
Mas, qual seria este momento particular de vida? E quem é este "infernal" Horlden Caulfield?
O momento particular é o momento mais particular e, geralmente, conturbado, por assim dizer, da vida de qualquer pessoa: a adolescência.
O momento em que não se é mais criança (logo, não tão engraçadinho e especial) e nem se é ainda adulto (não, você não pode fazer ainda nem um terço de tudo aquilo que almeja e ainda deve satisfações aos mais velhos, veja bem); é um adolescente - alguém que já tem alguma cota de responsabilidades, de quem se cobram coisas e atitudes, mas sem a beleza infantil (coisa, aliás, que a adolescência costuma derrubar de forma deveras cruel) e a liberdade adulta - um quase nada.
E nosso amigo Holden é um adolescente. O adolescente. Em crise, como todo adolescente que se preze.
Holden é um rapaz inteligente. Um rapaz que começa a perceber a realidade do mundo adulto - como ele funciona e as pessoas, de um modo geral, se comportam; toda a hipocrisia deste novo mundo.
Ele precisa deixar de ser criança (já tem 16 anos), mas não quer. Todos os seus atos; de ser expulso de uma série de colégios à sua doença final, passando por suas mentiras patológicas são sinais claros disso. Sinais claros de um jovem que, no fundo, é extremamente solitário e carente de atenção.
De novo, quem é este adolescente?
Nada mais que o alterego de seu autor - um senhor que não nutre lá muita simpatia pela humanidade de um modo geral e que terminou por conseguir realizar o que seu personagem tanto quer durante o livro: mora, hoje, isolado numa casa nas montanhas com apenas uma "moça" por companhia.
O detalhe da "moça" quem nos conta é uma ex-namorada, companheira ou adjetivo preferido dele, Joyce Maynard.
Joyce era uma universitária de 18 anos quando conheceu Salinger. Ela nos conta que, ao se corresponder com ele, sentia-se correspondendo com o próprio Holden e logo viu-se apaixonada por ele.
Assim é Holden. Para uma adolescente, um outro adolescente apaixonante, com problemas e questões muito semelhantes às suas, para quem você quer dar colo e fazer cafuné.
Obviamente que, já passado dos 50 anos, Salinger não era mais este adolescente, mas um senhor rígido e amargo que a dispensou, coisa de um ano depois, durante as férias familiares.
Pelo menos esta experiência lhe rendeu 100 dólares imediatos, fama como a "ex" e um livro sobre a "experiência".
Enfim, de volta ao "Apanhador...".
O livro foi escrito há 60 anos atrás e seu tema continua sendo atual, assim como sua linguagem. É muito fácil e gostoso até ler "o Holden". Mesmo que hoje em dia nós não falemos mais "infernal" a um bom filme ou situação ou pessoa, mesmo que não terminemos mais nossas frases com "ou coisa que o valha" de forma tão constante.
Por mais simples (em tese) que seja o livro; assim como deixar de ler um Machado de Assis ou um Victor Hugo; deixar de lê-lo pode vir a ser considerado falha grave na formação de caráter de qualquer um.

(RJ, 04/12/06)

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