terça-feira, setembro 30

Zôiuda ou Deus escreve certo...?

Grande parte da minha vida eu fui dona de bichinhos de estimação.
Uma grande variedade de espécies passou pela minha casa, pelo desleixo básico das crianças e várias torturas inofensivas das quais eu só fui me penitenciar depois que pude compreender que eram torturas.
Nos últimos 20 anos, porém, tivemos cachorros.
Os mais lindos, meigos e duradouros cachorrinhos que uma menina podia querer.
Durante 20 anos, eles me fizeram companhia em todos os momentos mais importantes e sempre estavam lá me fazendo afagos até quando eu não queria.
E então eu me mudei.
A princípio, meu plano era descansar.
Curtir o milagre milagroso de ter a MINHA casa e não arranjar qualquer espécie de trabalho extra.
Pouco antes de ir, arrumei um namorado. Pusta trabalho extra. Mas esse foi embora e, agora sim, estamos realmente sozinhas em casa.
Logo depois, arrumei plantas. A mais trabalhosa delas arrumou um bicho qualquer aí e anda me dando o dobro de trabalho. No momento, eu ando pensando seriamente em desistir de passar remédio nela também, que eu já estou de saco cheio.
Duas coisas que eu disse que não queria de jeito nenhum logo que mudasse.
A terceira era um bicho de estimação.
Logicamente, não existem condições físicas de termos um bicho dentro de casa. Passamos muito tempo fora, eu ando completamente falida, seria maldade, blábláblá... Mas o coração fica apertado de saudades de ter alguém balançando o rabo furiosamente à simples visão da minha pessoa. Aquela cama tão grande, bem que pedia uma coisinha felpuda deitada ali do meu lado para me acordar com lambidas de amor todas as manhãs.
Já tive conversas longas com o veterinário, que acabou me aconselhando a adotar uma tartaruga. Há pouco tempo, me apaixonei loucamente por um gato de 4 orelhas, mas, como eles não são muito comuns, a paixão morreu aí – além do mais, eu protelo a adoção de um gato porque eles são muito blasé demais pra mim, preciso de bichos que me adorem, no sentido literal da palavra.
E sempre disse por aí que lagartixas eram muito bonitinhas e que eu até teria uma, não fosse a parte da alimentação delas.
Eis que Deus deve ter ouvido meus devaneios e me mandou uma.
Lagartixas num primeiro andar são visitantes comuns, mas, desde sábado, eis que uma delas resolveu e entrar e não sair mais.
No primeiro dia eu achei que era por causa da chuva e nem dei bola pra ela.
No segundo, qual não foi meu espanto ao ver que ela ainda estava ali na mesma área. A amiga que a descobriu é fóbica de lagartixas e disse que ela era muito feia. Eu achei que era um exagero da loucura, mas me enganei. Nesse dia prestei bem atenção e descobri que ela é, realmente, muito feia. O rabo ela já perdeu em algum lugar por aí, na cabeça tem uma coisa bem parecida com um hematoma, os olhos delas são esbulhados a valer e eu ando desconfiada de que ela não come nada, porque é a primeira lagartixa anoréxica que eu já vi na vida. Mas ainda achei que ela ia sair dali logo. Até dei um toque de madrugada para ela arrumar algum outro lugar para morar “na boa”.
Ontem, lá estava ela de novo. E eu comecei a me incomodar.
É contra a minha natureza ser violenta com bichinhos bacanas – ainda que eles sejam feios – então, me encontrei num tremendo dilema moral. Se ela não fosse feia e não ficasse parada lá, toda magra e perto da minha privada, eu nem ia notar que ela estava no banheiro; mas eu entro no banheiro e não consigo tirar os olhos dela; talvez achando que ela vá reagir de alguma forma e vire uma encarnação de crocodilo ou coisa que o valha.
Então, eu tentei ser gentil e guiar a bichinha até a janela mais próxima com uma vassoura. Tomei o maior cuidado para ser delicada e não machucar a Zôiuda (esse é o nome que eu dei pra ela), mas ela não subiu; pelo contrário, caiu no chão e voltou pro mesmo lugar!
Olívia, que me pegou no flagra no meio da operação, ficou me convencendo que ela boazinha e não fazia mal pra ninguém, enquanto eu dizia que sabia disso, que eu só não queria ela morando dentro do meu banheiro.
No fim, tive que desistir da empreitada.
Quando voltei pra casa, Zôiuda permanecia no mesmo lugar. De ontem para hoje ela só variou de posição. Às vezes eu entro lá e ela está de cabeça pra cima, às vezes, de cabeça pra baixo; mas, daquele canto ela não sai.
E eu estou começando a achar que sim, eu tenho uma nova hóspede na minha casa.
Ela é feia, ela não tem rabo e o nome dela é Zôiuda.
Tudo porque não existem mais gatos com 4 orelhas ou porque Deus escolheu logo esse pedido para atender dentre todos os 789 que eu faço quase todos os dias.

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