sexta-feira, setembro 5

Manhã de pressa

Deus que me perdoe, mas namorado em casa em dia de semana é de foder.
Não que isso deva ser mal interpretado; eu amo dormir abraçada naquele peito cabeludo, amo acordar com beijinhos, tomar café com a minha “família”; mas, acordar quando o dia ainda nem é dia e você tem horário pra cumprir, e encontrar os despojos da noite anterior pela casa e ter alguém dentro de casa que não tem pn com o seu horário, mata a manhã de qualquer mortal.
Eu ia reclamar especificamente dele, mas cheguei à conclusão de que a problemática que envolve esvaziar um cinzeiro ou guardar as coisas de volta na geladeira ou jogar papéizinhos no lixo, é uma prerrogativa masculina.
Mesmo tendo chegado a essa conclusão, ainda assim, fico enlouquecida de acordar e encontrar o que eu chamo de “rastros” pela casa. Nesse momento, eu começo a bufar. Na etapa em que eu passo a guardar e lavar as coisas, existem fiozinhos de fumaça saindo pelas minhas orelhas – porque, ao invés de estar na pia, eu poderia estar sentada na mesa da sala tomando minha caneca de café em paz e me conectando com o mundo.
Nada é pior do que levantar da cama e cair direto no trabalho de casa.
Nada desperta mais a minha vontade de contratar uma faxineira do que acordar numa situação dessas e pensar que você que vai ter que arranjar tempo no seu final de semana para limpar a bagunça que as outras duas pessoas da sua vida fazem e deixam lá de presente pra você.
E aí ele se levanta. Falta meia hora para você ter que sair de casa – para você poder sair de casa com calma.
“Estamos de mau humor, é?”.
“Não. Tem de ninguém de mau humor aqui, não”.
Claro que essa frase é dita entredentes e meu olhar me denuncia. Infelizmente, eu não sou boa de blefe, de disfarce, de dizer uma coisa quando penso outra porque o meu olhar sempre denuncia e eu não tenho controle sobre isso. Quantas vezes eu já ouvi da minha filha, “mamãe, porque você está me olhando com essa cara de brava?”; ou de outras pessoas, “essa forma que você está me olhando agora”...
Corre, rebola, arruma, “come, minha filha, pelo amor de Deus!”.
Quinze minutos para o limite da sua hora segura.
“Preciso fazer a barba”.
“Não dá tempo!!!”.
“Eu não disse que ia ser agora...”.
E levanta para pegar mais um café.
Dez minutos para a hora limite.
“Vou tomar um banho”.
Ai, Jesus!
“Então vai, que já ta na hora!”.
Eu tento me controlar. Fico olhando para o relógio e quase posso ver o ponteiro dos minutos se mexendo. O mundo já acontece lá fora e eu parada esperando. Eu nem precisava ir agora, mas quero entender melhor como usar um programa que eu já soube usar há muito tempo atrás.
A criança já está vestida, calçada, as mochilas prontas. Ele vem só de calças, botas os sapatos como se ainda faltassem dez minutos para a hora segura e não tivessem passado dez minutos dela.
Eu solto gemidos de “vamos, vamos”, a criança descobre um par de lápis e começa a fingir que toca um reco-reco ao mesmo tempo em que canta animadamente pela sala. Ele bota a camisa. Eu bufo. Ele acende um cigarro, eu ignoro o relógio e abro o jornal enquanto meu pensamento só é capaz de pensar em palavrões cabeludos e eu sinto que o meu rosto está ficando com uma certa coloração avermelhada.
Eu já estou 20 minutos atrasada.
“E aí, vamos?”.
“Vamos, ué! Estou só esperando você!”.
“Eu que estou esperando você! Estou pronto há dez minutos!” – e aí ele pega as palavras cruzadas do jornal.
Tive vontade de chorar.
Eu me jogo na cadeira, solto um gemido e cinco minutos depois, consigo expulsar os dois de casa.
Como a dor não pode ser rápida, eles resolvem andar a um passo que até velhinhas de andador seriam capazes de fazer uma ultrapassagem nada perigosa. Os dois parecem não me notar.
Como não podia deixar de ser, assim que chegamos à Praia de Botafogo, meu ônibus passa. Eu perco. E aí ele resolve engatar uma primeira violenta e vai embora mandando beijos muito satisfeitos.
Esses beijos, melhoram um pouco o meu humor – apesar deu ter certeza absoluta de que ele bem que podia ter ficado um pouco conosco no ponto, já que não tinha pressa de nada no mundo – e, eventualmente outro ônibus chega. Eu chego atrasada.
Manhãs com pressa não combinam com namorados. Namorados combinam com longos cafés da manhã, com pães, café preto, jornal, bagunça calma, beijos, dias de sol; com pressa não combina. Fode a manhã da cidadã.

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