segunda-feira, setembro 15

Momento Exposição

Tem uma amiga que anda com a fixação de eu me transmutei na Bree - personagem de um seriado que tem mania de limpeza de cria um par de filhos pivos - e, tirando a parte dos filhos, que eu gostaria que se saíssem bem melhores que um veado e uma piranha sem nenhum escrúpulo, talvez ela tenha lá alguma razão no que diz.

Como o Mundo sabe e eu já escrevi um sem número de vezes, eu sempre curti as minhas dores de cotovelo. Passava dias, em um caso bastante célebre passei duas semanas inteiras, deitada na cama chorando, botando pra fora aquela dor do fim.
Quando era novinha achava linda essa coisa de morrer de amor.
Mas, com o passar dos anos e a chegada da filha, meu tempo pra isso ficou bastante reduzido. Passei a poder gastar um dia, no máximo, com a minha dor, debaixo dos meus lençóis.
Também venho aprendendo - não sem decepção - que a maioria dos clichês que as pessoas te dizem são verdades verdadeiras. Hoje em dia não se morre mais de amor, existe pílula pra isso; além do mais é cafona - bem mais cafona do que eu me definiria.

A dor de cotovelo geralmente advém de uma briga; e não necessariamente com um homem, amigo também vale, filho, então, nem se fala!
E, quando ela vem. Vem forte. Vem mesmo.
E eu me deito. E choro.
Aquele choro de cair dormindo e ter dor no corpo no dia seguinte que poucas pessoas se permitem. É preciso se permitir lavar a alma nessa escala e eu sempre me permiti.

Dessa vez, não me deitei.
Não no primeiro dia.

No segundo, levantei, no meio daquele silêncio e daquele espaço gigantesco que vira a minha casa quando eu estou sozinha e fui limpar tudo.
Faxinei aquilo como se não houvesse amanhã. Como eu não faxinava há mais de um mês. Faltaram só as pás dos ventiladores da sala porque eu tive medo de cair da escada e as janelas da porta da varanda, que eu já não tinha mais coluna para encarar.
E enquanto eu limpava, fui percebendo que o meu modo de expurgar as coisas tinha mudado de lugar; que enquanto eu limpava, varria, lavava, trocava lençóis, estava limpando também qualquer coisa física, qualquer cheiro, qualquer cabelo que pudesse ter ficado no meio do meu caminho para que eu pudesse continuar.
O silêncio já durava dois dias - o maior tempo de silêncio em todo esse tempo.
E eu lidei com ele achando um disco, uma calça, um cordão - rastros que eu nunca deixei espalhados pelo espaço dele, e que estavam ali pra me lembrar como isso tudo vai ser difícil, doído.
Eu fiz isso até não aguentar mais, até caírem gotas de suor pelo meio do meu rosto, até o meu corpo reclamar do movimento pesado - até que eu sentisse que o ambiente estava limpo o suficiente.

Mesmo assim, ele não está limpo o suficiente.
Não vai estar tão cedo.
Coisas continuam aparecendo, hoje o silêncio acabou.
No meio do silêncio repeti mantras, lembrei clichês, desenterrei histórias - tudo para me certificar que eu vou ficar bem. Porque eu preciso ficar bem.
Hoje, existe a mentalidade imbecil de que eu tenho que ser forte em absolutamente todos os minutos da minha vida diária porque existem uma série de responsabilidades e compromissos que estão cagando horrores se eu estou bem ou não, que continuam funcionando e demandando.
Essa noite demorei a dormir, acordei durante a noite várias vezes, todas pensando NO assunto. Acordei e fui imediatamente repetir os passos de ontem e arrumar, lavar, cozinhar - deixar tudo um brinco de diamantes e distrair a minha cabeça do que me é realmente importante.
Quando o silêncio quebrou, eu já não tive mais tanta certeza de que eu vou conseguir ser tão forte assim - seja qual for a decisão que eu vá tomar. O coração aperta, duas lágrimas fogem, a pior parte, que é a da dor, começa a vir cobrar a sua fatia da história.
Continuo sem tempo para deitar e chorar e sei que vou chegar em casa e vou repetir os feitos da manhã que já foi bastante longa.
Talvez eu tenha me transformado mesmo.
Talvez isso funcione para não me deixar cair.

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