quarta-feira, fevereiro 14

Luz e contraste

Toda vez que eu vou à praia agora eu me espanto com algo, lá do lato do meu posto de observadora do Mundo.

Sábado, de repente, apareceu um transatlântico, daqueles que a gente ouve falar, mas pouco vê por aí. Daqueles que até deveriam ser bastante divertidos não fosse o fato de estarem dentro d'água. Ele apareceu lá no canto do Leme, soltando um daqueles apitos de navio que a gente vê em filme. Enorme. Um monstrengo branco no meio de um monte de barquinhos de passeio que se não fosse ele ter aparecido lá longe a gente sequer notaria tão imersos na paisagem que estão.
No que eu vi o barcão, notei também, na beira da praia, em contraste extremo com todo aquele povo caído, queimado e de biquini, um senhor.
Um senhor daqueles de filme de nordestino, sabe?
Bem pobrinho, com uma sacola de viagem bem surrada num ombro, boné na cabeça, um bebê no outro ombro e uma menininha segurando a mão da sacola. Uma família atípica num lugar atípico. Olhando, assim como eu, e com a maior atenção, aquele monstro branco que passava lá no fundo fazendo grande alarde.
A maioria das pessoas não prestou a atenção que nós prestamos nele.
A maioria das pessoas não prestou atenção neles.
Eu achei de um contraste tão absurdo; aquela família, que muito provavelmente nunca vai andar naquilo observando tão atentamente aquele símbolo de luxo e riqueza tão distantes. Fiquei a imaginar se dali não teria nascido naquele momento uma daquelas histórias em que a menininha então vai sair, batalhar, fundar uma empresa ou cantar ou rebolar ou fazer algo que lhe dê toneladas de dinheiro só para poder levar seu velho pai para andar de navio por causa daquela tarde em Copacabana.

Hoje, como tem sido de praxe, o mar estava uma coisa lamentável de sujeira. Havia uma espuma marrom que eu tenho certeza que vai desencadear uma centena de doenças de pele mutantes sem que as pessoas que brincavam tão alegremente venham sequer a se dar conta que a culpada foi ela. Ela borbulhava na areia quando as ondas vinham, quase como se fosse realmente um Ser. Do Mal.
Além dos riscos marrons, manchas pretas e rastros de lixo na areia.
Uma pena das penas das penas.
Nem sou das pessoas mais ecológicas do planeta, mas morro de pena ao ver como o homem destrói aquilo que lhe é dado de tão bom grado e de forma tão generosa. Bem feito para nós que daqui a alguns anos não vamos poder mergulhar mais sem que nos caia um braço e vamos morrer de sede e feder como se fedia na Idade Média por conta dessa burrice tão imensa.
O mar hoje, por sinal, estava como há anos eu não via. Ondas enormes, que vinham e levavam tudo que desse mole no meio do caminho, tomavam conta também da areia que em certos pontos mal existia... Como se ele também estivesse furioso. E estivesse mostrando a quem quisesse ver o quanto ele estava furioso.
Enquanto observava este espetáculo bem lá de longe, deixando o sol bater no meu rosto, fui acordada dos meus devaneios quando um senhor começou a tocar o tema da Pantera Cor-de-rosa em um trombone de vara.
Sim, um trombone de vara no meio da praia.
Que tal?

Cada vez que eu vou, observo um espetáculo. Do homem e/ou da natureza. Em altos contrastes.
Fico sempre embevecida.
Perdida em milhões de pensamentos.

Mas, precisar mesmo, eu precisava era pensar menos e conseguir luz de mais.
Luz, energia.
Apesar das caminhadas, os dias têm sido trabalhosos.
Cansativos.
Têm exigido demais de mim em todos os sentidos.
As madrugadas têm sido de imensas batalhas.
Volta e meia elas acontecem.
E passam.
Mas o durante sempre me deixa massacrada.
Por isso preciso de mais luz.
Para conseguir passar por mais essa, acordar, levantar, continuar tudo que eu sempre faço sem que me perca, sem que erre feio, sem sucumbir.
Não são mais cores.
É luz.

Luz e contraste, hein...
Uau...

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