terça-feira, janeiro 12

O telefonema para a Sujeita

...Então a sujeita leva um pé na bunda e aceita o fato.
Não tão graciosa ou pacificamente como seria bonito de se ver, mas aceita.
E segue com a vida dela.

...E, então, a sujeita está lá, seguindo a vida dela com a casa cheia de gente, rodeada por brinquedos voadores, gritinhos de alegria, tomando uma cervejinha na varanda porque está calor e o mundo vai acabar.
Aí ela resolve checar o celular, que, não só ela nunca ouve tocar - apesar de ter baixado um toque com a voz do seu vocalista cabeludo preferido em altos urros - como estava em outro cômodo, e a casa dela é grande.
No visor, o aviso: chamada perdida.
A sujeita resolve retornar.

"Oi, moça..."

A sujeita, tão atarantada pelo calor, pelas visitas e pela cerveja não percebeu que conhecia aqueles primeiros números de telefone - na última briga, ela providencialmente deletou o telefone dele da agenda a fim de evitar maiores faltas de deselegância - e descumpriu a maior de suas promessas de ano novo, que era não telefonar mais nem que houvesse alguém morto ou ele fosse o último homem da face da Terra e o repovoamento dependesse dos dois.
Mas, justo quando ela se vangloriava de estar completando 12 dias firme e forte sem dar pinta e deixar que ele soubesse que ela ainda respirava e andava por aí...

"Tô ligando pra saber se tá tudo bem..."

Uma prática masculina que desperta todo o asco que a sujeita tem pela raça masculina!
A pergunta de dez mil reais que ela acha mais despropositada da história dos relacionamentos. Porque a sujeita não entende essa necessidade doentia do outro, que meteu o pé na estrada sem pensar nisso nem uma vezinha, resolver dar o ar de sua graça para fazer a pergunta e ouvir a resposta. Na percepção da sujeita é uma prática sadomasoquista das maiores, como se o cara quisesse que ela respondesse que está mal, sofrendo feito uma desgraçada - o que até, a essa altura do campeonato nem é a situação, visto que tudo, tudo nessa vida passa e as pessoas param de sentir.
Entorpecida pelo caos reinante, pela surpresa e pelo cansaço - ela tinha certeza absoluta de que não receberia mais telefonemas vindos daquele número - mais uma vez não foi graciosa ou delicada.
E não deveria ter sido mesmo.
A sujeita é meio palhaça e ainda gosta do Jack Kerouac em questão, mas também está muito cansada de todo o trabalho que ele proporciona.
Ela anda preferindo ficar sozinha a ter todo esse trabalho.

Ainda assim, de madrugada, senta, ouve o Morrissey, fuma um cigarro e fica abalada com a meleca do telefonema.

"Eu não queria que você pensasse em mim desse jeito..."

Porque agora ela não tem mais papas na língua - se é que algum dia teve, uma vez que ela não é chegada a sutilezas - e transformou, mais uma vez, todos os pensamentos em palavras.
Duras.

Ele mereceu.
Ela não.

Assim, a sujeita vai pensar nisso mais alguns dias, mas vai continuar tocando a vida, sentindo cada vez menos, até que apareça outro beatnic na sua vida e ela possa usar os versos das canções de amor em outra pessoa.

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