quarta-feira, outubro 29

Um domingo qualquer

Domingo.
Chovia.
Olho pro chão e vejo os meus pés, enfiados dentro do meu único par de all stars (hoje é converse, né?), que eu só fui comprar depois dos 30 anos, que me dão uma falsa sensação de juventude e que são os meus tênis de chuva, visto que também são os sapatos mais resistentes que eu tenho. Enfim, os tênis.
Os tênis estavam desamarrados. Faziam alguns dias que eles teimavam em desamarrar e me deixar andando na rua com cadarços que iam balançando de um lado para o outro, seguindo o meu ritmo de caminhada. Além de soltos, estavam molhados.
Tudo estava molhado, porque eu não acredito em guarda-chuvas.
Enquanto eles balançavam, também caía pela ponta do meu nariz uma grossa gota de chuva.
Por alguns minutos, andei por aí me sentindo e me lembrando como era ser uma menininha melequenta.

Saindo da chuva, emergi no metrô.
Assim como eu estava molhada e começando a ficar com frio, o metrô naquela tarde era igualmente frio.
Como não havia sol, não existiam aquelas enormes famílias que pegam o trem de Deus sabe lá aonde, paramentados com o melhor de moda praia e cadeirinhas e barraquinhas e sacolas e lanches e crianças e toda uma sorte de coisas debaixo dos braços para ir à praia na Zona Sul, que é chique, ao invés de ir tomar um bom sol na laje - que, na minha opinião é muito mais higiênico já que não tem areia com cocô de cachorro, mar cheio de cocô de gente, enfim, sem cocô, saca?
Como não havia sol, não existiam nem as famílias de papai-mamãe-filhinho que vão passear na rua, visitar a vovó, ir à festinhas.
Naquela noite, eu havia recebido a visita de duas avós falecidas nos meus sonhos. Eu ando tendo um sonhos esquisitos. E nem sempre me lembro de entrar na internet para ver o quê exatamente eles significam. Como o assunto era justamente o aniversário de uma delas, que, no sonho estava personificada na outra, minha primeira análise leiga foi que o meu inconsciente andava totalmente dominado pelo tema aniversário - tão dominado que até em sonho essa praga anual de aniversário/ festa insistia em me perseguir.
Inconsciente, consciente, tudo estava voltado pelo tema; não fosse a certeza que começou a me assaltar de que, aos 31 anos, finalmente aconteceu comigo de inventar de me apaixonar por um professor - coisa que eu nunca imaginava que ainda fosse acontecer comigo. É muito louco essa coisa de endeusar uma pessoa que você definitivamente não pode nem pegar e se esforçar feito uma alucinada para que a pessoa fique absolutamente encantada com a sua inteligência e carisma. Não poder perder uma aula sequer, saber tudo de cor e só pensar nisso em todo e qualquer tempo livre que você possa ter na vida. Procurar na rua, esperando encontrar, esbarrar. O tipo de situação que te deixa na dúvida se é falta de roupa pra lavar no tanque, falta de um cacho novo que te coma de verdade, essas coisas...
Como não havia sol, só existiam uma meia dúzia de pessoas perdidas. A maioria como eu, perdida, sozinha, com frio, usando umas caras não muito satisfeitas com a vida. Esta, a principal diferença entre nós: me vi bastante satisfeita em estar praticamente sozinha naquela enorme estação de pedra, naquele dia feio de domingo. Tem dias em que ser uma menininha de cadarços desamarrados num mundo grande e vazio é tudo que uma pessoa pode querer.

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