quinta-feira, outubro 9

É culpa da chuva

Enche o saco, eu tenho noção, mas o tempo londrino que invadiu a Cidade-nem-tão-maravilhosa-assim anda tendo um efeito devastador no meu humor e eu me sinto obrigada a reclamar da vida.
Vamos lá. Meus dias andam sendo cansativos, ok? Eu chego em casa com um cansaço irreal e a minha única vontade na vida é deitar na minha cama e ficar prostada lá até que alguma alma ou coisa que o valha me obrigue a desgrudar do meu não-tão-bom-assim-colchãozinho-velho; mas, como a vida é uma coisa imperfeita e cruel, não é isso que costuma acontecer. Existem sempre coisas a fazer no meu empoeirado e zoneado palácio.
De vez em quando, eu deixo que as coisas se resolvam sozinhas, esqueço a ansiedade angustiante de ir para o meu roxo refúgio e fico esperando a onda passar. Anteontem foi um destes dias. Deixei minha pequena e geniosa filha se convencer de que mais nada de emocionante poderia acontecer naquela noite, deitei no chão ao lado da cama dela para esperar ela dormir enquanto lia o meu mais novo e feliz livro - ignorando solenemente as minhas costas, que resolveram dar um chilique qualquer por causa do excesso de peso que eu ando carregando e ainda insistem em reclamar quando eu levanto mais rápido ou dou uma cruzada de pernas mais frenética; uma fase de saliência nem pensar se eu não quiser parar direto no pronto socorro mais próximo, o que é uma irônia se nós considerarmos que eu pago um plano de saúde caríssimo e não existe nenhum pronto socorro realmente próximo à minha casa para adultos descadeirados - o que durou alguns capítulos. Com o advento da coluna, tenho esperado Madame apagar para poder ficar de molho na banheira.
Agora já comecei a achar que ela não é tão minúscula quanto eu achava que era e já consegui achar a minha posição no mundo dentro dela. Me dá um prazer quase sádico ver a minha pele, que de vez em quando tem seus tempos de moreninha belzebú, mas, no momento concorre ao Prêmio Lagartixa de Transparência, toda vermelhinha depois de ficar cozinhando naquele bando de água fervente que, sim, eu desperdiço.
Quando consegui terminar o banho, já era quase meia noite. O que, para uma pessoa normal, não seria nenhuma tragédia grega, mas, no meu caso, que ainda precisava sentar ao computador para escrever uma matéria super criativa (haha) para entregar hoje, a qual eu não havia sequer pensado na primeira frase, tendo que acordar antes das seis da manhã para vir ao meu tão querido templo do saber (haha de novo), me deixava numa situação um tanto dramática.
Desconfio que tenha procrastinado a produção da tal matéria de propósito – maldito inconsciente! – mas, não existia mais chance de escapar das minhas obrigações. Virei uma pessoa por demais maníaca e caxias para me permitir zerar em qualquer prova ou deixar de entregar qualquer coisa que eu saiba ser minha responsabilidade.
Às duas da manhã, o povo bateu palmas feliz, me dei por satisfeita e fui me enfiar no meu roxo refúgio. Às 3, minha belíssima filha adentrou o quarto alegando qualquer coisa que já não me lembro mais, querendo dormir de novo na minha cama.
Eu acho uma delícia dormir com ela, que faz questão de ficar grudada em mim, que inventa de dar as mãos no meio da madrugada; mas, a gente já sabe que a vida não pode ser tão cor de rosa assim, eu tenho paranóias maternais e então tal prática só é liberada uma vez por semana – e essa semana nós já havíamos praticado – e eu tive que negar. Depois de uma briguinha leve, voltei pra cama xingando muito o fato de ter que acordar com as galinhas e a minha coluna despedaçada.
Às 6 horas da manhã, chovia muito. Muito. Assim que me levantei, já comecei com a síndrome de tourette climática que anda me atacando e faz com que eu formate frases unicamente feitas de palavras chulas cada vez que vejo uma gota de chuva caindo. Mesmo assim, lá fomos nós, praticamente a nado, desbravando todos os grandes lagos que se formavam em Botafogo, completamente encharcadas, para conseguir chegar aos nossos colégios e compromissos.
Molhada até o útero, morta de frio, quase caí pra trás quando descobri que o professor faria a gentileza de não comparecer à faculdade. Merda! Podia ter me avisado, caramba! O cara sabe que eu saio de casa com criança, toda carregada... E o pior é que cada vez que eu vou de manhã fico um bocado mais pobre, e tem muita coisa que eu ando precisando, pomba!
Só não fiquei com mais ódio porque pude finalizar a minha matéria de uma forma que me fosse satisfatória.
Enquanto isso, recebo uma ligação do colégio da Olívia. Uma das coordenadoras me informando que ela estava com os tênis muito molhados (não diga!), perguntando se eu poderia levar outro sapato pra ela. Na boa, fiquei louca de ódio. Quê que esse povo pensa? Primeiro, eu sou mãe, mãe vê tudo, e eu estava com ela, logo, eu sei que ela havia enfiado o pé na poça, ué! Chuva é assim, faz poça, a gente enfia o pé. Depois, como assim levar outro sapato? Elas queriam que eu comprasse outro sapato? Porque, se eu boto a criança durante um dia inteiro no colégio, está subentendido que eu estarei ocupada e não na minha casa promovendo um baile! Porra!
Felizmente, tive tempo sobrando. Mas, enquanto ia para casa buscar o raio do sapato, recebi outra ligação do colégio – desta vez da professora – me dizendo as mesmas coisas. Como eu já estava puta com a situação, fui até um pouco grossa com ela, mas disse que já estava indo em casa pegar a porra do sapato. Dessa vez, de repente eu fiquei lá pensando: “Vem cá, se ela chegou com o sapato molhado, significa que eu também estou com o sapato molhado. Ninguém se preocupa com o meu pé, não?”. Não. Claro. Mas, a passadinha em casa foi providencial, pude trocar de blusa, de meias. O resto eu deixei, porque se era pra molhar de novo, melhor que fosse o que já estava molhado, certo?
Corri desabalada pro cinema. Durante o Festival do Rio, aproveitei todas as minhas horas de almoço para ver filmes, e ontem não seria diferente. Deu tempo. Deu tempo de tudo. Deu tempo até de terminar o filme e eu chegar sã e salva na faculdade a tempo da aula (eu sempre acho que não vai dar tempo).
Tudo muito bom, tudo muito bem. Tourette continuava comendo solta cada vez que eu olhava pro céu, mas as minhas tardes conseguem quase sempre ser bastante divertidas. Deu um pouco de trabalho desligar a criança, mas eu acabei conseguindo. Fiquei tão exausta, que não conseguia nem ler quando fui deitar na minha cama.
Aí, hoje estou eu de pé às 5:40 da manhã, pronta para uma maratona que só vai ter fim lá pelas 2:30.
O professor não veio de novo.
Legal.
Bacana.
Supimpa.
Caralho.
E continua chovendo.
Dá pra não reclamar? Não dá!
Aí eu fico puta de ficar tentando comer alface e não conseguir perder nem 10 gramos, fico puta com a pança caída, fico puta porque quero comprar um monte de coisas pra minha casa, mas preciso dar prioridade a outras coisas, fico puta porque vou ter que providenciar uma festa de aniversário maior do que eu gostaria para o aniversário da Olívia, porque eu quero um vestido novo, porque preciso ir ao salão de beleza, porque estou detestavelmente dura, porque as minhas costas ainda doem, porque eu recebo convites que esperei receber muito tempo e agora que recebi não sei se quero mais, porque eu tenho mau gosto, porque eu preciso de empregada e emprego e de menos poeira na minha casa, etc, etc, etc.
É mais forte do que eu.
(Além do mais, eu bem que gosto – desopila!)

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