sexta-feira, agosto 27

Silêncio

Domingo à noite, numa rua tranquila de Copacabana, num lugar onde a associação de moradores traduz a atmosfera ao se autoproclamar oásis. Pouca luz, é uma rua quase escura. Pouca gente, é uma rua quase deserta.
Uma das principais avenidas do bairro ficou para trás, com seus carros barulhentos, suas pessoas que assam churrasquinhos nas portas dos botecos barulhentos.
Devia haver silêncio aqui.
Primeiro vem o som dos meus sapatos na calçada, depois passa uma senhora cantando uma alegre e desafinada melodia enquanto passeia com seu cachorro, um alarme soa, um outro cachorro uiva, um carro passa, o vento sopra, as chaves do chaveiro formam um conjunto de sons que me acompanham enquanto subo a rua.
Por mais que eu não diga uma palavra, cante uma música, só ande, aqui, o silêncio não existe.

Terça-feira, dentro de casa, sozinha trabalhando.
Operários martelam na obra ao lado, cantam, conversam e gritam. Aviões passam a intervalos constantes espalhando um rugido alto pelo ar. Um caminhão passa na rua lá fora chacoalhando alguma coisa, procurando uma vítima de atropelamento talvez, fazendo tremer o chão. Uma ambulância vai ou volta de um salvamento ou transferência, fazendo soar sua sirene. Nos meus fones de ouvido um pesquisador fala por horas sobre algum assunto altamente desisnteressante, levando embora com ele alguma parcela do que ainda me resta de audição.
Na minha cabeça o que se ouve é: cacofonia, cacofonia, cacofonia.
Por mais que eu não diga uma palavra, cante uma música, só ande, aqui, o silêncio não existe.


Sexta-feira, dentro de casa, quase começando o dia.
De dentro da banheira, minha gripada filha canta músicas inventadas e conversa com seus bonecos ininterruptamente. Na televisão, Pato Donald e Pateta travam algum diálogo construtivo entre um e outro intervalo com musiquinhas cruelmente altas. O porteiro passa lá fora empurrando a lixeira para, logo em seguida, se pôr a varrer a área de serviço do prédio. O telefone toca. O som dos meus dedos no teclado.
Lá fora, as ruas de botafogo me esperam com seus pedestres furiosos e apressados, uma gente que corre, corre, não olha pros lados, atropela o adversário de calçada, fala alto nos celulares.
Por mais que eu não diga uma palavra, cante uma música, só ande, aqui, o silêncio não existe.

Chego a pensar em cortar as orelhas, tal qual o pintor que tanto gostava de amarelos, mas penso que se as cortasse, dentro da minha cabeça ainda existiriam os pensamentos intermitentes e ininterruptos. O falatório e a cacofocia continuariam a existir, mesmo quando eu dormisse.

O silêncio anda sendo uma necessidade, um desejo.
O barulho de crianças num colégio, de pessoas reunidas em bares nas ruas à noite, das caixas de som poderosas de boates, de todos os lugares, me sufoca.
O silêncio é uma necessidade.

Infelizmente, aqui, o silêncio não existe.

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