quarta-feira, abril 15

O atraso

Às quartas-feiras meu dia começa 5:30 da manhã.
Apesar de só precisar pôr o pé na rua uma hora e vinte minutos mais tarde esse tempo é o que eu preciso para despertar, tomar minha garrafa térmica de café, comer alguma coisa qualquer, tomar um banho (em nome da boa higiene e dos narizes das pessoas que vão estar ao meu redor durante todo o dia), arrumar a mochila da criança, acordar a criança, dar alguma coisa para ela comer e vestir a nós duas.
Há mais ou menos um mês, com todas as coisas todas que têm acontecido na minha vida, essa tarefa ficou difícil e eu tenho acordado com algo em torno de uma hora de atraso. Ainda é cedo e tem ficado escuro às 6:30 da manhã.
Prever o tempo é uma tarefa impossível e, freqüentemente, eu mando a criança de short quando chove ou calça comprida quando faz um sol nigeriano.
É uma rotina puxada pra caramba.
Meu sono tem sido mais forte justamente quando o despertador costuma dar sinais de vida - que costuma ter o som incorporado ao meu sonho corrente - e o resultado é um despertar caótico, onde só me falta vestir meias na cabeça e é comum que eu esqueça alguma coisa que ela precise levar para o colégio e pentear os cabelos de ambas é artigo de luxo quando um bom par de grampos dá conta do recado (Amém à moda dos cabelos cuidadosamente despenteados!).
Hoje, porém, me dei ao luxo de atrasar um pouco. O mundo todo se movia rápido demais pra mim e cada vez que eu ia olhar o relógio, depois de ter feito qualquer coisa, haviam se passado dez minutos. Assim, acabamos saindo bem mais atrasadas que a encomenda.
Nestes dias, ambas saímos segurando uma maçã que comemos enquanto vamos caminhando rua abaixo.
Hoje, meus olhos mal se abriam. Parecia que eu estava numa ressaca fenomenal - daquelas que têm me feito falta à alma e que anseio para o próximo sábado como se não houvesse amanhã.
No fim da rua, uma família muitas vezes maior que a minha, com cerca de uma dúzia de pessoas entre adultos e crianças ainda de colo, ainda despertava preguiçosamente, confortavelmente refastelados sobre seus pedaços de papelão e cobertores puídos.
Meu espanto foi por ver que eles, que a esta hora já costumam estar frenéticos, ainda estavam por ali - também atrasados.
Na outra esquina, porém, o casal já estava na porta da padaria.
Ela não deve ser mais que uma adolescente. Magra, despenteada. Ele é mais velho, deve estar em torno dos 25 anos.
Todos os dias eles e o cachorro estão na porta da padaria - deduzo eu que esperando por um pedaço de pão ou algo parecido.
Nunca incomodam os passantes e normalmente já se foram quando eu faço o caminho de volta. Nosso encontro é muito rápido, mas nunca desapercebido.
Eles não estavam atrasados.
Na frente do colégio, ao invés de carros de variadas formas, cores e marcas também estavam atrasados e não estavam lá. A rua parecia ainda adormecida, as professoras, coitadas, pareciam ainda adormecidas.
Mal registrei ter entrado dentro do ônibus e o percurso que este fez, mas quando bati o olho na Lagoa e no sol brilhando entre as árvores floridas ali em volta, toda a beleza da vida veio - inteira.
Lembrei porque tudo isso vale a pena e esqueci totalmente do atraso.

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