terça-feira, setembro 11

Do Corpo e Da Paixão

Do Corpo

Hoje eu encolhi.
Tive a clara percepção do momento em que isso aconteceu.
Estava eu, encerrando o primeiro terço do meu dia; aquele terço onde eu acordo, engulo com urgência meus dois penicos de café necessários para que meu sistema comece a funcionar em alguma potência da sua capacidade, fumo meus primeiros cigarros (hábito nojento, eu sei) enquanto os engulo, preparo a mamadeira da criança, acordo a criança com muitos beijos e cantorias, entro no cyber espaço para saber se existem mensagens relevantes à minha vida, aproveito para solucionar o(s) primeiro(s) quebra-cabeças do dia e pôr a mente para funcionar, atendo (ultimamente) os primeiros telefonemas dos chatos dos corretores, sorvo alguma coisa sólida (apesar de estar convencida que não deveria sorver nada sólido pelos próximos cinco anos), providencio coisas sólidas à minha bebê, procuro minha roupa, procuro roupa para a criança, arrumo ambas as mochilas querendo pensar que não esqueci de nada do que nos será necessário ao longo do outro terço do dia, arrumo, calço e penteio a mim e a ela, saio para ver mais um apartamento que não vai servir (dessa vez, com uma corretora que me despertou um certo urgh, pois me deixou esperando, com uma criança que estava, coitada, enfrentando uma certa luta intestinal, por longos vinte minutos na entrada do prédio), pego um longo caminho e um ônibus com duas mochilas e a criança nos braços porque já fazem pelo menos três dias que ela se recusa a fazer cocô e está começando a ficar incomodada com o fato, que não me incomoda porque tenho esperança de que essa agonia chegue ao fim durante o dia de aula dela, atravesso a mesma rua e vejo os mesmo porteiros que vejo e atravesso durante os dias chamados úteis da semana e viro a mesma esquina que viro todos os dias assim chamados úteis da semana; nesse momento, nesse exato momento da virada da esquina, foi quando eu senti.
Virei e diminuí.
De repente, o mundo ficou mais alto e eu mais baixa, as flores da janela da casa da esquina me olharam lá de cima e eu me senti como uma criança que leva no colo a irmã mais nova só de onda, tamanha a pequenez que senti naquele momento.
Diminuir e encolher são fatos fisiológicos decorrentes da vida e recorrentes com a idade, o que me impressionou foi que acontecessem com tão cedo e de forma tão anunciada e sentida.

Meu corpo anda me espantando.

Por um lado, estou deveras deprimida porque é muito cruel perceber que quando você pariu, estava mais magra do que está agora, quase três anos depois; quando o dito normal era que acontecesse ao contrário; quando você até que anda se esforçando para que aconteça ao contrário. Nada a fazer a respeito, além de se dedicar plenamente a folhas alpistes e exercícios físicos que você abomina numa totalidade, já que chorar porque realmente as roupas que você tem se recusam a ficarem boas não vai fazer com que você desidrate e perca todos os quilos extras que as ansiedades e angústias da sua vida insistem em te trazer de volta.

Por outro lado, é muito normal que as pessoas olhem para mim e digam que pareço mais nova do que realmente sou; eu, muitas vezes, me sinto mais nova do que realmente sou. Isso é bom e é um fato a se orgulhar na condição de moça que me cabe. A juventude não bate em diversas ocasiões com tudo o que eu penso hoje em dia e aprendi ao longo dos anos, muito menos com a minha disposição física de vida, que muitas vezes só pode vir a ser superada por senhorinhas de 80 anos; mas bate imensamente com muito do jeito que ainda vivo a minha vida e com toda a fragilidade que escondo das pessoas que eu tenho.

E então, eu encolho.

Dizem por aí que o corpo manda sinais às pessoas sobre o que está errado na vida delas. Acredito que o meu esteja mandando vários sinais – aliás, eu acredito em sinais de forma geral, assim como fantasmas, duendes e afins – sinais bem claros e perceptíveis, no que eu acho uma droga que a minha terapeuta esteja de férias porque eu realmente precisava de uma mãozinha extra, além dessa minha cabeça que pensa, pensa, pensa, para poder atender a eles.

De qualquer forma, foi apenas uma coisa muito, muito curiosa.

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Da Paixão

E, seguindo a lógica de que, enquanto houver o russo haverá outros livros, acabei me apaixonando de novo.
Dentro desta lógica, escolho livros finos, que possam ser mais confortavelmente carregados e rapidamente lidos, já que o russo está com um fim eminente.
Bom, nem tanto fim, nem tanto eminente, mas uma hora eu hei de acabar com ele. A história é boa, mas é que a hora em que eu me deito para ler o russo, e o russo só é lido na cama (“eu dormi com Dostoievski”), eu já estou no final das minhas baterias e acabo dormindo numa velocidade incrível, muitas vezes Rodion só consegue pensar as coisas que pensa por uma ou duas páginas; por isso o cabo desta leitura está tão demorado.
(Perceberam agora como eu me desculpo comigo mesma com uma habilidade incrível?)
Nisso, o volume escolhido desta vez foi “Coraline”, um livro que o Neil Gaiman (Amém!), escreveu para adolescentes, ou, pelo menos é assim que ele é rotulado. A mim não interessa muito, gosto de ler histórias e experiências de outro tipo que meus autores favoritos fazem a gentileza de escrever e deixar no mundo; não deixa de ser lá uma boa desculpa para dizer que eu pesquiso histórias para vir a contar a minha filha. E, realmente, de todos os livros que eu li dele, só não me apaixonei por um. Todos são muito bem escritos e lúdicos e bonitos dentro do universo sombrio deles. Pronto. Peguei, me apaixonei, de ontem para hoje já li metade do livro que deveria durar pelo menos meia semana e duvido muito que vá ter com o russo hoje à noite. Preciso saber o que vai acontecer a ela, como vai terminar esta história. Neste momento de loucura e paixão, já chego até a pensar em nomear outra filha, se um dia a tiver, o que não está em questão em absoluto neste exato momento, de Coraline, na esperança que ela herde um pouco da Coraline dele.
Que eu ia gostar era quase certo, era o esperado, mas, realmente não tinha me ocorrido que iria me apaixonar de novo por mais um livro dele. É curioso que não ocorra o quanto você ama as coisas que você ama. No caso dele, meu amor evolui para uma quase antropofagia. Se eu pudesse, comeria o Neil Gaiman para saber como ele pensa, imagina e escreve as coisas que ele pensa, imagina e escreve. Ele e o Clive Barker.
Pena que esta paixão desta vez seja tão fugaz. Amanhã Coraline estará liberta (será?) e outro livro começará. Pena que, desta vez, tenha sido um caso de apensas duas noites.

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