quinta-feira, julho 19

Ah, as férias...!

Essa coisa de estar de férias, sem computador e à beira dos 30 tem coisas...

Uma é perceber pela primeira vez.
Olhar coisas ao seu redor e realizar elas.

Outro dia eu estava andando na rua e percebi um pombo.
Eu fiquei olhando o pombo.
Ele vinha pela calçada, desceu o meio-fio, atravessou a rua e continuou andando pela calçada - daquele jeito que os pombos andam - desviando dos pedestres, ele mesmo um pedestre.
Se eu estivesse pensando, de cabeça cheia, correndo, no meu normal atual, essa cena que foi, no mínimo inusitada, ia passar e eu não ia ver - nunca ia poder contar a quem quer que fosse que eu já vi um pombo atravessando a rua.
(As pirações antropológicas e filosóficas da coisa eu vou deixar em aberto.)

Outra é o uso do tempo.

Pela primeira vez na vida, apesar de me faltar tempo, na maior parte dos dias tem me sobrado tempo. Eu tenho cozinhado, lavado arrumado... Outro dia até costurei!
A sobra do tempo tem coisas excelentes, como poder se sentar e curtir tardes inteiras sem compromissos pontuais ao lado de amigos-não-freqüentes discutindo a vida e as coisas da vida - vendo o tempo passar sem vergonha; mas também tem aquelas noites em que existe uma insônia e a sua fabulosa tv a cabo com 288 canais digitais do além from hell especiais só te oferece como opções um especial sobre o calamar assassino ou sobre "a noite em que Mongo se tornará um homem" (isso não é brincadeira, aconteceu ontem).
A sobra do tempo me faz andar, olhar, observar...
Me faz querer produzir o que quer que seja.

Inacreditavelmente, ando lendo pouco; ou melhor, em doses homeopáticas.
Meu trauma com o estripamento foi tão grande que eu lia apenas umas dez páginas por dia, eu me dizia que estava saboreando o livro, lendo com calma.
Mentira das mais deslavadas.
Eu estou de férias.
Estou com preguiça.
À beira dos 30 e de todas as minhas crises de praxe só o que me interessa é estar perto dos não-freqüentes (e dos titulares), tomando umas cervejas e fingindo que nada disso me aborrece ou me importa.
Há dois dias eu finalmente engrenei.
Eu e Féodor estamos nos dando muito bem, ainda que eu mude o nome de toda aquela russarada pobre dele.
Pressinto que cometerei meu próximo assassinato dentro de poucos dias.
Pressinto que a dor não será a mesma.
Pressinto que terei até algum prazer na coisa.

Mais cruel!
Mais cruel!!!

O que me deixa puta é as pessoas não entenderem as coisas que eu digo.
Me deixa certa de que minha comunicabilidade é alguma coisa perto de zero.
Os jornalistas são os outros, porque existe distorção, tanta distorção das coisas que eu digo!

Eu sou uma pessoa difícil.
Assumo.
Geniosa.
Assumo.
Minha ética de vida e as coisas em que eu acredito só se tornam mais caxias com o passar dos anos. Eu uso daquela máxima cafona e lugar comum que todo mundo conhece do "não fazer aos outros o que você não gosta que façam com você", então fico louca, piro, queimo fusível quando as pessoas fazem coisas que eu não faria com elas.
Disseram que eu ando brigando com o Mundo.
É uma afirmação bastante plausível.
Se você não briga com o Mundo, o Mundo monta em você, não te respeita, te faz de babaca. Eu passei anos e anos da minha vida sendo mula do Mundo. Agora chega.
Se para ter paz e ser uma pessoa feliz eu precisar brigar com o Mundo eu vou brigar.

Da minha dificuldade pessoal existe ainda aquilo que, por mais que eu fale abertamente das minhas experiências de vida e daquilo que eu penso, para chegar dentro de mim - do que eu sinto - é preciso ter conquistado minha amizade e confiança. Quem me conhece, sabe que eu tenho um milhão de coisas difíceis para administrar e me preocupar - pena que quem não conhece, ache que por conta disso eu não mereça me preocupar com coisas mais supérfluas. Dizer que eu me preocupo mais com elas também é diminuir minha inteligência e minha participação na vida de um modo geral. Se assim fosse, eu não trabalharia, não criaria minha filha, não leria e conversaria com as pessoas. Quando eu falo do supérfluo é sinal de confiança, é procurando um ombro; quando eu falo do supérfluo é porque não quero falar do resto.

...Mas as pessoas não entendem.

É isso que me deixa puta, que a vida esteja okay, entrando no lugar, que eu passe tardes fantásticas e prazerosas lavando uma roupinha, cozinhando uma comidinha, dando risadinhas, lendo e de repente venham as pessoas me amolar a vida. Me deixa puta que esse lado relacionamentos humanos esteja tão conturbado ultimamente...

Pessoas...
Bah...

30 anos...

Eu ia fazer um balanço, acordos, toda aquela palhaçada que eu gosto de fazer - ainda mais estando de férias da analista, mas, quer saber...?
Meus primeiros 30 tiveram muitos momentos difíceis, sim. Eu chego neles com muito mais experiência de pedreira que muita gente que eu conheço mais velha, mas pôxa, eu fui criança, eu ri muito, eu tomei porres divertidos, eu amei muito, eu pari, eu estudei, eu viajei... Os primeiros 30 foram intensos e plenos. De uma forma geral, muita coisa pode ter dado errado, mas eu estou bastante satisfeita.
Agora, eu só devo ter mais outros 30 pela frente, um pouquinho menos de pedreira nem caía mal...
Porra, balanceei.

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