sexta-feira, outubro 30

A festa

...De qualquer forma, o Veríssimo tem toda razão: festa de criança sem birita, não dá.
Organizar uma festa de criança em casa é um trabalho hercúleo que começa bem antes da festa.
Existe a excursão, ou excursões como foi o caso, à lojinhas de artigos de festas em busca do tema encomendado pela criança, do confeito perfeito, da lembrancinha pros amigos... São horas e mais horas de solas de sapato jogadas ao vento e uma coisa bem próxima dos milhões de dólares.
Antes de qualquer coisa, é preciso arrumar o barraco.
Avós, tias, amigos e toda a sorte de pessoas vão transitar pela casa e, no meu entender, ela tem que estar im-pe-ca-vel-men-te arrumada. Observando o meu nível de histeria – já que passo dois dias falando com as pessoas de cima de um armário qualquer porque realmente acredito que as pessoas vão enxergar os coelhos de poeira que moram em cima dos armários – minha mãe, temendo um acidente brutal quando eu começo a discorrer sobre limprar as janelas, resolve me ceder a faxineira dela um dia para que ela execute essa tarefa.
Começo a me sentir muito mal com esse meu luxo de sinhá – coisa que só piora quando passo o rodo no estoque de cervejas e refrigerantes das Sendas e preciso contratar o serviço de entrega a domicílio, feito por um senhor bem mais velho que eu que faz questão de me acompanhar pelo caminho enquanto empurra o carrinho com as minhas coisas. Pela primeira vez desde que eu me mudei, o porteiro ajudou a descarregar as compras, acredito que para ganhar um trocado; mas a sinhá é de quinta, então não tinha um mísero trocado (de verdade) e ele ficou a ver navios.
Aposto que não me ajuda nunca mais e que vai sumir com alguma das minhas contas preu pagar multa só de vingança.
Mas as janelas ficam limpas e a birita garantida.
Teoricamente, o menu da festa deve comportar coisas que sejam do gosto tanto dos adultos quanto das crianças.
Por elas, eu posso dizer com confiança: bastava um fandanguinho em cima da mesa que já ficava geral na maior felicidade; mas não! Lá vai a mãe (com bastante influência da avó) inventar hambúrguer, cachorro quente, empada, várias coisas super práticas de se ter à mesa. Elas só precisam que você não dê mole e esquente fornadas e mais fornadas variadas de cada uma delas – o que faz com que a mãe da criança, que também é da dona da casa, seja facilmente encontrada durante os festejos dentro da cozinha com um pano em cima do ombro, suando em bicas por causa do calor do fogão, mas sem perder o glamour do alto de suas chinelas de strass.
E tem que ter bolo e brigadeiro!
Mamãe tem alguns desvios de conduta. Um deles é a recusa premente de pagar uma padaria de quinta (tá, segunda) uma fortuna para que eles façam um bolinho de chocolate de nada.
O que leva nossa pobre mamãe de volta ao fogão – ou inicia a sua saga, já que o bolo é feito antes da festinha.
O brigadeiro requere ajuda já que, apesar de gorda e balzaca, o brigadeiro da mamãe nunca deu e hoje nem tem mais pretensão de dar ponto para enrolar. Sobra para a madrinha.
Na véspera da festa, o saldo de cervejas já consumidas já ultrapassa uma caixa.
E alguns brigadeiros lembram aquele papel famoso do Eric Stoltz – o Rock Dennis.
E tome mãe de metro e meio subindo em parapeito de janela pra pendurar bola!
Bolas estas que vão ficar penduradas um bom tempo...
Duas horas antes, cerveja no gelo, comida entregue,criança de banho tomado, tudo pronto.
Pelas próximas sete horas eu iria me dividir entre todos os cômodos e convidados da casa, num ritmo tão frenético que entabular duas frases era uma tarefa digna de medalha.
Lembrei do Veríssimo.
Na última hora, consegui sentar, beber e conversar com meus amigos.
Depois que a última pessoa foi embora, a criança foi banhada e posta para dormir, copos e pratos foram recolhidos.
Lembrei de novo do Veríssimo e agradeci por só ter que fazer uma festa por ano.
O plano era comemorar sozinha o sucesso da empreitada bebendo uma cerveja com calma – todas ficavam quentes ou perdidas pela casa antes que a gente pudesse ter uma relação mais íntima.
Acabei dormindo, antes que pudesse começar uma relação mais íntima com qualquer cerveja, agradecendo por só ter que fazer uma festa por ano, com o corpo todo destruído e imensamente feliz por olhar a felicidade de quem – excepcionalmente – havia tido permissão para no fim de tudo isso vir dormir abraçada comigo.

Nenhum comentário: