quinta-feira, janeiro 13

Do Egoísmo

Hoje foi um dia.

Um dia daqueles de criança em casa de férias, mãe tendo que cozinhar para o mês, em que a máquina de lavar quebrou de novo – como tem acontecido todos os meses desde o ano passado – transformando a cozinha num mar não exatamente muito limpo, em que o boy ia passar para pegar os cheques do hotel fazenda, em que o único livro que faltava da tão temida lista de material escolar chegou na livraria, em que entre uma e outra atividade, foi possível terminar de ler mais um livro; e que, ainda por cima, trabalhar era preciso.

Na internet pipocavam notícias nos jornais e comentários de um ou outro amigo.
Na secretária, uma mensagem do pai dizendo que ele estava bem.
O primeiro pensamento foi: “Ai, claro que está...”.
E assim seguiu mais um dia quase normal dentro desta casa.
Pouco depois das oito da noite, outro telefonema – este prontamente atendido.
O mesmo pai do recado na secretária reiterava que ele estava bem, que lá estavam todos bem, e começou a contar o que havia acontecido...
Ainda na minha pré adolescência, meu pai resolveu se mudar para o interior do estado. Mais precisamente Areal – uma cidadezinha pouco depois de Petrópolis, com duas ruas para cima e duas para baixo.
Antes de ser a casa dele, foi a casa da minha bisavó mais querida.
O lugar que na infância era mágico; na adolescência muito, muito chato para uma garota de cidade grande; na fase adulta, praticamente esquecido, uma vez que adultos correm demais, fazem coisas demais e nunca, nunca têm tempo sobrando para nada.
Ainda assim, sempre foi um lugar que “cheirava”, lembrava, era família para mim.
Um dos poucos lugares que, salvo uma ou outra alteração mínima, era imutável.
Ainda ontem pensei que estava na hora de fazer a minha visita anual a esta família.

Então hoje, pouco depois das oito da noite, soube que pontes caíram, as ruas ficaram com 1,5m de água, prédios sucumbiram, o rio subiu, a represa ameaçou ruir e a minha família que mora lá teve que deixar sua casa com a roupa do corpo.
Só então eu entendi.

Chuvas sempre houveram – e, por isso, me parecia normal que estivessem todos bem.
Telefones sempre ficaram mudos e energia sempre faltou desde que eu me entendo por gente e vou para aquela casa.
Já vi o rio encher, mas nunca, jamais, na proporção que aconteceu desta vez.
Até agora eu ainda não sei – eles ainda não sabem – como esta casa estará amanhã.
Ninguém morreu, graças a Deus.
De certa forma, sinto-me profundamente egoísta em estar pensando que meu mundo imutável não mais existe – ele vai ter que ser reconstruído e jamais será igual ao que era antes.
Sinto-me egoísta por ter usufruído tão pouco deste mundo nos últimos anos, por sentir uma tristeza que, nem de brincadeira, se compara à dos que perderam casa & família; uma tristeza que a minha família que constituiu família lá há de sentir o seu lar devastado; que eu sequer posso imaginar a magnitude.

Hoje, meu mundo mudou, de repente, pouco depois das oito da noite.
Foi tanta corrida, compromisso, pensamento, adultabilidades afins, que deixei de perceber.
E agora eu sinto muito.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fique em paz. Você não tem culpa de nada :-)