quinta-feira, março 20

O Vício & a Seita

Há até uma semana atrás eu enchia a boca com toda a vontade dos meus pulmões para dizer a quem quisesse ouvir que, dentro dessa confusão de casa nova e adaptações e serviços de utilidade doméstica, TV a cabo era uma coisa que não me fazia falta nenhuma. (O discurso, na íntegra, dizia que internet eu uso na faculdade mesmo - fato - e que eu ando chegando tão cansado e passo tão pouco tempo em casa que quase não vejo mais TV e não tinha, então, a menor necessidade de pôr uma TV a cabo correndo.)
Até sábado passado.

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Eu agora sou A Ninja da Faxina.
Se das primeiras vezes em que eu limpei a casa minhas mãos ficaram quase em carne viva, com calos latejantes e uma dor colossal e debilitante na coluna; a cada final de semana eu vou ficando mais parecida com minhas ex-faxineiras e fazendo minhas tarefas do lar com maior rapidez e precisão.
E, como tem sido a minha rotina de sábados, levantei junto com o namorado no horário mais ingrato e infeliz de se levantar num sábado em que a sua filha não está em casa, mas ele tinha que trabalhar, gosta de tomar café juntinho antes de sair, então meu dia começou. Como eu também ando desenvolvendo uma mania de limpeza que pode vir a ser preocupante, mas ainda não é porque eu acabei de mudar (1 mês sábadoooo!!!), assim que o namorado saiu, eu peguei a minha vassoura!
Limpar a casa tem sido meu momento mais meu dentro daquela casa. É um momento que faço sozinha, sem ninguém em casa. Cômodo por cômodo, na maior calma. Vai me dando um prazer passear pelos quartos e ficar sentindo aquele cheiro de Veja Floral (fragrância da semana), vendo aquele chão brilhando, aquela cama arrumadinha que até merecia mentinha no travesseiro...! Essa semana eu cheguei a arrastar os sofás e limpar os vidros das janelas. Chovia e eu limpava... Uma coisa quase orgásmica...
Só que, como eu já virei A Ninja da Limpeza, minha masturbação olfativa e visual só durou até meio-dia. E agora? Eu tinha marcado 18h com uns amigos em casa, como eu ia matar longas seis horas sem nada para fazer?
Nessas horas, dificilmente meus amados livros servem de opção. Tomei banho, fui ao banco, comprei uma comidinha na rua pra não ter que sujar meu fogão limpinho e brilhante, almoçei, tentei dormir e... Duas da tarde.
Resolvi fazer as unhas e abrir uma cerveja - porque não? já tinha acabado o "sirviço" mesmo!

Assim que comecei a fazer as unhas - que bem estavam merecidas de um lustre - liguei a TV.
TV aberta. Globo. Sábado. Sacou?

Então eu me toquei que faziam três sábados que eu ligava a TV para me fazer companhia enquanto faxinava. Que enquanto ela me fazia companhia, estava sempre passando "O Caldeirão do Huck". Que enquanto passava "O Caldeirão do Huck", eu prestava a maior atenção. Que, não só eu prestava atenção, como em muitos quadros eu chegava a chorar ou torcer como se não houvesse amanhã. Que eu acompanho, assisto, estou viciadona em "Caldeirão do Huck".

Assim que realizei minha triste situação de vida, telefonei para a minha melhor amiga, para a minha mãe e para o meu namorado. Um vício dessa magnitude e podridão não pode ser escondido uma vez que a cidadã precisa do apoio dos mais chegados para sair dessa.

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Então, quando tudo mais acabou, só o que me restou foi um programa de luta livre.
Luta livre do tipo que um cara pegava uma cadeira de ferro para dar nas costas do outro que tomou uma porrada no pescoço que quase sufocou o outro que olhava pro outro com cara de ódio e fazia aquele gesto de cortar garganta pro outro. Entendeu? Bestificante.
Fiquei. Completamente besta com a programação da TV aberta num sábado de ócio de minha parte.

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Quando a amiga chegou lá em casa eu estava sentada no sofá com uma cerveja numa mão, um cigarro na outra, assistindo luta de boxe feminino, quase babando.

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Não posso mais encher a boca para dizer que não sinto saudades da TV a cabo.

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E "Bebê de Rosemary", lembra?
Lembra quando eles se mudam pro condomínio e os velhinhos começam a fazer um monte de gracinhas pra ele pensar que é uma vizinhazinha queridinha?
Aos poucos os meus vizinhos estão começando a aparecer, bater lá minha casa, simpatiquinhos. Uma de cá, outra de lá...
Eu, que a vida toda tive dois, três vizinhos, que nunca nem tchuns pra minha vida, acho muito esquisito, não estou acostumada, mas sou sempre educadinha do jeito que a mamãe ensinou.

Eis que ontem, estava eu enrolada na toalha saindo do banho, quando toca a minha campainha.

Pausa: é preciso que todo mundo entenda também que eu nunca tive uma campainha que funcionasse na casa da minha mãe, então, toda vez que ela toca eu me sinto na obrigação de sair correndo e atender porque, se ela toca, deve ser alguma muito urgente, que outro motivo haveria para as pessoas ficarem tocando a campainha da minha casa?

Olhei no olho mágico e tinha lá uma senhora de uns 50 anos parada nos seus chinelos esperando. Como ela não tinha cara de assaltante - eu sei que assaltante não tem cara - abri uma frestinha para atender a senhora.
Ela me vem, então, com um papo de que o pai dela, um senhor idoso de óculos (dãr), queria conversar comigo e com o meu marido e pediu para perguntar que dia seria melhor para que ele fosse à minha casa.
*HEIN?!?*
Sem perder a pose - se é que eu ainda tinha alguma - perguntei qual o assunto, expliquei que o marido não era marido, que a casa era minha mesmo, e falei que ele poderia aparecer à noite, quando eu estaria em casa. Ela me disse que ia dar o recado ao pai, que devia ser sobre uma votação para síndico que vem aí, mas que, como ele era um senhor muito idoso, ia apenas dizer que meu marido chegava muito tarde mesmo.
Como eu estava de toalha na porta e com uma criança na banheira, concordei.
Depois a Simone que há em mim ficou aos berros de "onde já se viu tamanho preconceito para comigo que cuido de tudo sozinha e pago tudo sozinha dentro da minha própria casa, e imagina se eu termino com o namorado e arrumo outro e o velho fica achando que eu sou uma desfrutável quando eu não sou", mas achei melhor pôr um cigarro na boca dela e ficar na minha. Foda-se a senhora e o preconceito dela. Talvez eu mate o velho quando ele for lá em casa desmentindo tudo eu mesma. Talvez não. Não vem ao caso.
...Mas, que depois da visita, eu fiquei com um certo pensamento fixo no "Bebê de Rosemary", isso lá fiquei... Esse povo batendo na minha porta, fazendo visita... Eu, hein...

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