quinta-feira, agosto 28

Mãe de mim mesma

Hoje eu virei a minha mãe.
Tomou um susto?
Eu também.

Para quem já tinha tido uma epifania esse mês, ter outra logo em seguida é foda.

Aconteceu quando eu estava entrando em casa.
Com a graça de Deus e mais uma ajuda extra, minha cupincha de faculdade me ofereceu carona pra casa duas vezes por semana. A carona é muito mais que bem vinda uma vez que voltar pra casa no final do dia, carregando duas mochilas e uma criança tão cansada quanto eu pra casa, num trânsito caótico e na alegre companhia das pessoas tão bem educadas que andam e dirigem os ônibus da cidade é matador; fora que ela é minha melhor amiga lá dentro e é sempre uma delícia poder voltar conversando mais com ela.
Sendo assim, cumpri eu o meu ritual de saída frenética da faculdade e fui buscar a minha filha bufando e correndo para, enfim, na volta pegar a carona. Assim como eu ando exausta e meu ritmo de vida frenético, o ritmo da pequena também anda, então logo que chegamos ao carro, ela resolveu tirar um cochilo durante a viagem. Nós viemos batendo um papo super animado, debatendo questões...políticas!
Quando eu desci do carro, veio.
Me lembrei da minha infância, onde os adultos – em especial a minha mãe – conversavam muito sobre política. Me lembrei de como eu achava aquilo um saco. Eu não entendia nada e não conseguia participar da conversa – muitas vezes, era até preterida da conversa. Sempre existia um “É? Que legal! Agora fica quietinha, filhinha, que a mamãe ta conversando com a tia...”.
Eu cresci e continuei a achar política uma coisa muito chata. Resolvi entender pouco do assunto (Freud explica) e tirando uma queda pelos vermelhinhos quando era adolescente (Tão passionais! Tão bobos! Tão bonitinhos!) e saber de cor os direitos do cidadão e consumidor, sustentei por muitos e muitos anos (até agora, para ser mais precisa) a bandeira dos apolíticos.
E então eu vi a minha filha no banco de trás do carro, com um olhar que suplantava o tédio, que de vez em quando tentava se meter na conversa para ouvir um “É? Que legal! Agora fica quietinha, filhinha, que a mamãe ta conversando com a tia Madê, ta?” e que, admitindo a derrota, resolveu dormir todas as vezes em que entra no carro junto com aquelas duas adultas chatas que falam sem parar sobre assuntos que ela não entende.
Me vi, de novo, fechando a porta do carro e terminando um ponto de vista sobre ditadura e afins – que anda tão em voga.
Aí, eu vi a minha mãe.

A pior parte é que a gente realmente não fica igual às mães da gente. A pior parte é que bate uma sensação terrível de que você é uma espécie de edição revista e ampliada – o que, no seu caso, quer dizer alguns adendos e um bocado de erros.

Até agora, eu ainda não resolvi se fico chocada ou orgulhosa porque realmente virei uma pessoa adulta, maçante, responsável, que gosta de ouvir música baixinho, tem cabelos brancos, cuida de plantinhas...

...Tem tempo já que a minha visão de futuro é uma casa no meio do mato, bailinhos de bolero no clube, aprender a fazer tricô, pintar os cabelos que me restarem de violeta e ter um bom par de chinelinhos com estampa de oncinha e pompons em cima.
Isso são sinais, não são?

(Só para que fique claro, minha mãe tem cabelos vermelhos, não vai a bailinhos, não faz tricô, não gosta de oncinha, ouve música alto, me acha uma cafona e usa roupas bem moderninhas, ou seja, dentro em breve, eu também serei a mãe dela – e duvido que essa constatação seja no bom sentido.)

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