E então meu namorado veio pedir para ler as coisas que eu escrevo.
Em dez meses de namoro, além de umas ou outras cartas melosas (porque eu sou adepta de cartas melosas clichê démodé piegas), ele nunca leu os meus outros textos.
Ele me viu sentada aqui escrevendo e quis ler, eu disse que com ele pendurado em mim eu não ia conseguir continuar a escrever. Ele reclamou, ficou bravo mesmo. Me acusou de esconder o jogo e ficou me rodando que nem mariposa em volta da lâmpada pra ver se conseguia ler uma coisinha qualquer (esse já é o terceiro compilado de baboseiras que sai esta noite; coisa rara, mas muito bem vinda).
A verdade é que eu tremi nas bases.
Uma coisa sem explicação razoável.
A única que ocorreu, é que se ele lesse, não gostasse e me dissesse, talvez eu ficasse bloqueada pelos próximos meses, quem sabe até anos – e eu preciso escrever.
Escrever pra mim é vomitar um monte de pensamentos soltos que vão se juntando e crescendo dentro da minha cabeça e que, eventualmente, acabam dando em alguma coisa – uma conclusão, uma descoberta, um relato de nada com nada – que, então, cede um pouco de espaço a novos pensamentos desconexos e me descarrega um pouco do peso que eu carrego de pensar em tanta besteira junta ao mesmo tempo; e pensar muito cansa, exige energia, dedicação, prática, ocupa um espaço terrível dentro do corpo da gente. Por isso que eu fico ruim quando não escrevo, quando perco pensamentos em pensamentos – é energia mal utilizada!
Quando eu escrevo, escrevo pra mim, apesar de quase sempre dialogar com um suposto leitor que se interesse pelo sei lá o quê que eu penso. Constantemente, não gosto do que eu escrevo, e o pouco que eu gosto, reescreveria à exaustão ao longo dos anos se resolvesse de fato me apaixonar e aprimorar esses textos. Tampouco acho que essas minhas egotrips e conclusões pouco lógicas da vida ao meu redor tenham qualquer relevância a quem quer que seja.
Mesmo assim, eu preciso escrever.
É a válvula de escape que eu uso hoje em dia, que já foi o desenho pra mim um dia.
Na verdade, eu acho que se existe alguém que lê isso aqui de fato, esse alguém deve estar com uma séria falta de coisas a fazer na vida. Posso até indicar uns escritores ótimos, uns livros fantásticos, histórias que realmente vão mudar a vida de alguém.
E mesmo essas explicações continuam a me parecer pouco razoáveis.
Eu submeti e submeto professores aos meus textos. Amigos. Parentes. Pessoas até que eu não conheço.
De nenhum deles nunca tive esse pudor literário todo.
Nem medo da crítica deles.
Críticas podem ser construtivas, certo? Ainda que eu mande elas todas às favas.
Aliás, medo é a palavra que menos se aplica – a melhor palavra eu encontrei ali em cima: é pudor.
Pudor, sim. Pudor de mostrar um lado meu que eu não tenho o costume de mostrar às pessoas ao vivo e à cores. Um lado meu mais livre, mais personagem; onde as pessoas lêem uma pessoa, mas não estão olhando pra ela. Vêem uma pessoa, mas não estão me vendo – porque eu sou tímida, apesar do que a maioria acha.
Deixar que ele leia é equivalente a tirar a roupa, mas numa escala muito pior, onde eu vou me sentir embaraçada, vou torcer para ser aceita, para ser satisfatória. É como perder a virgindade de novo, correndo o risco de não gostar da coisa e nunca mais abrir as pernas de novo.
E eu não sei por que esse pudor existe.
Outros homens com quem eu estive envolvida no passado já leram esse bando todo besteira que passa pela minha cabeça. A pior conseqüência foi ter que convencer a todos eles que nem sempre, quando eu me referia à figura masculina ou a um interlocutor ou a um outro personagem qualquer, não era necessariamente com eles (não sei porque, mas todos eles achavam que eu só escrevia sobre eles, como se eu não tivesse mais o que pensar na vida); ou dar alguma satisfação de um texto vomitado em algum momento de mágoa profunda pós-briga – o que era um saco e eu detestava. Ainda assim, eu não tinha pudor.
Talvez eu não queira que acabe o mistério.
Sem mistério, o interesse diminui, o encanto se perde.
Eu deixo de ser um ser mítico – ou, pelo menos, essa minha parte deixa de ser.
Ele já me viu pelada, doente, chorando com meleca no nariz, gozando (não tem gente que diz que se conhece realmente uma mulher pela cara que ela faz nessa hora?), furiosa no meu nível mais atômico, feliz de explodir. Já dorme comigo e encara a coisa mais pouco glamourosa do mundo que é a minha cara de manhã, com mau hálito, cabelos desgrenhados e remela nos olhos. A gente troca fluidos, pelo amor de Deus!
Com ele, eu não sei explicar muita coisa.
Essa é mais uma delas.
(De repente, eu me lembrei daquelas mulheres que apareciam nos desenhos do Pica-pau, que eram todas lindas e usavam sempre um véu no rosto, que quando ele tirava mostrava que elas tinham os piores rostos do universo. Minha professora de Teoria da Comunicação ia ficar orgulhosa se soubesse disso!).
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